Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 162

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 Hélade, mais entusiasmada que apreensiva, deixou-se conduzir pelo boi que, nadando até ao mar alto, se transformou em uma águia-de-cabeça-branca e, sempre com a jovem mediterrânica no dorso, rumou à América, onde tinha o ninho. Ali, aliciou-a com todas as comodidades e todas as engenhocas tecnológicas que a civilização global consegue produzir. Sem precisar de pagar nada. Tudo a crédito. A jovem argiva sentia-se a mais ditosa das mediterrânicas. Nem sabia como agradecer ao seu benfeitor. Mas este não parecia querer que a donzela se preocupasse com ninharias. E convenceu-a a desfrutar da sociedade de consumo. O que Hélade fez despreocupadamente. Tornou-se amante de luxos e sofisticações e até caprichosa investidora da Bolsa. Quando Hélade já não sabia o que mais queria possuir e já não tinha mais palavras para agradecer, o génio que a raptara começou por fim a falar em crise e na necessidade de ela pagar os créditos que tinha contraído. Hélade não entendia o que implicava a inesperada conversa do até aí simpático raptor. Mas ele foi perentório: ― Minha menina, não há brinquedos grátis. Não te ensinaram lá no Peloponeso? Se não pagas de uma maneira, pagas de outra... Então, possuiu-a pela primeira vez. Se Hélade há muito tinha efabulado com esta romântica eventualidade, a maneira economicista e quase vingativa de ele concretizar um ato que devia ser de amor entristeceu-a: além do mais, teve ainda a suprema insensibilidade de dizer que lhe fazia uma gentileza ― abatia- lhe dez mil dólares no valor em dívida! Nos tempos que se seguiram, possuiu-a repetidamente, fazendo-se assim pagar pelos inúmeros bens tecnológicos que adiantara. Com juros. Pelas contas do tratante, Hélade pagaria com o corpo, à razão de uma penetração por cada 100 dólares de dívida. ― Ontem valia dez mil dólares… ― indignou-se Hélade, na primeira vez. ― Estamos a falar de produtos diferentes, rapariga. O teu rating triplo A de ontem, entretanto, baixou para A+, como deves compreender… Quando a dívida cresceu para valores que o vigor sexual do malandro já não acompanhava, começou a alugá-la a tempo, a bandeiradas de quarto de hora, concedendo-lhe 10 dólares por hora. Enquanto ele guardava um valor não 159