LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Hélade, mais entusiasmada que apreensiva, deixou-se conduzir pelo boi
que, nadando até ao mar alto, se transformou em uma águia-de-cabeça-branca
e, sempre com a jovem mediterrânica no dorso, rumou à América, onde tinha o
ninho. Ali, aliciou-a com todas as comodidades e todas as engenhocas
tecnológicas que a civilização global consegue produzir. Sem precisar de pagar
nada. Tudo a crédito. A jovem argiva sentia-se a mais ditosa das mediterrânicas.
Nem sabia como agradecer ao seu benfeitor. Mas este não parecia querer que a
donzela se preocupasse com ninharias. E convenceu-a a desfrutar da sociedade
de consumo. O que Hélade fez despreocupadamente. Tornou-se amante de luxos
e sofisticações e até caprichosa investidora da Bolsa. Quando Hélade já não sabia
o que mais queria possuir e já não tinha mais palavras para agradecer, o génio
que a raptara começou por fim a falar em crise e na necessidade de ela pagar os
créditos que tinha contraído. Hélade não entendia o que implicava a inesperada
conversa do até aí simpático raptor. Mas ele foi perentório:
― Minha menina, não há brinquedos grátis. Não te ensinaram lá no
Peloponeso? Se não pagas de uma maneira, pagas de outra...
Então, possuiu-a pela primeira vez. Se Hélade há muito tinha efabulado
com esta romântica eventualidade, a maneira economicista e quase vingativa de
ele concretizar um ato que devia ser de amor entristeceu-a: além do mais, teve
ainda a suprema insensibilidade de dizer que lhe fazia uma gentileza ― abatia-
lhe dez mil dólares no valor em dívida!
Nos tempos que se seguiram, possuiu-a repetidamente, fazendo-se assim
pagar pelos inúmeros bens tecnológicos que adiantara. Com juros. Pelas contas
do tratante, Hélade pagaria com o corpo, à razão de uma penetração por cada
100 dólares de dívida.
― Ontem valia dez mil dólares… ― indignou-se Hélade, na primeira vez.
― Estamos a falar de produtos diferentes, rapariga. O teu rating triplo A de
ontem, entretanto, baixou para A+, como deves compreender…
Quando a dívida cresceu para valores que o vigor sexual do malandro já
não acompanhava, começou a alugá-la a tempo, a bandeiradas de quarto de
hora, concedendo-lhe 10 dólares por hora. Enquanto ele guardava um valor não
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