Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 116

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 parecendo um remador profissional. Ouvia-se apenas o mergulhar do remo nas águas. Braços fortes e tatuados de maneira tosca lembravam marinheiros a desembarcarem nos portos, ávidos para resolverem suas urgências de toda natureza. No alforje, trazia uma garrafa de aguardente artesanal, deu alguns goles e guardou-a. Seria longa a travessia e logo mais teria que pescar algum peixe para forrar o estômago vazio e maltratado pela bebida. Não parava de olhar o velho pescador na canoa à frente que, apesar da falta de movimentos, ganhava distanciamento, como se a correnteza fizesse o trabalho ou uma força sobrenatural substituísse o manejo dos remos. Na distância e sob os reflexos luminescentes do sol, reduzia-se a uma sombra negra e indolente. Alguns peixes nadavam no contrafluxo da correnteza e pulavam aos cardumes, num movimento acrobático, como uma dança. Ele pegou um arpão no fundo da canoa e tentou acertar um peixe e depois outro e mais outro. Nem o primeiro, nem o segundo, nem o décimo... Sentindo-se esnobado pelos peixes acrobatas, avistou um bem maior e acompanhou-o com um olhar glacial. Viu-o em câmera lenta, parecia um ser intergaláctico com escamas prateadas e um desconcertante olhar metálico. O peixe ficou à sua frente, paralisado, como se esperasse ser fisgado ou como a desafiar um suposto predador. Num efeito bullet time, ele conseguiu atingi-lo com o arpão até atravessá-lo e, ao senti-lo definitivamente arpeado, puxou-o ao mesmo tempo que o efeito de câmera lenta desfez-se e os demais peixes voltaram a seguir o fluxo, salpicando a canoa com as águas branqueadas de espuma. Ali mesmo, o homem rasgou-o longitudinalmente da cabeça à cauda, estripou-o, jogou suas vísceras no rio, serviu-se dele. A carne crua do peixe tinha um estranho gosto que o fez nausear-se. Adiante, o rio fazia uma curva e ele não podia perder de vista o pescador, para isso precisava imprimir mais velocidade às remadas. No que se abaixou para dar mais um trago na aguardente, foi salteado por um escurecimento de vista; ao adaptar-se à claridade, não viu mais o pescador, 113