Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 48

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 Ao fm da Rua Rafael Reginato Florianópolis/SC As casas seguiam o traçado da rua no terreno plano, sem variações. A longa parede descascada de ora porta, ora janela, em intervalos precisos, se misturava às roseiras que cresciam em frente a cada uma das casas para florescerem na mesma estação. Não era primavera. A rua se alongava como um deserto de paralelepípedos sob derramadas pétalas, jogando no ar o cheiro de todas as manhãs. Ao sair, voltei os olhos para a casa, examinando a pintura destratada, decaída como as roseiras fustigadas pelo verão. Ao correr o olhar pela borda da rua, naquele corredor geminado, pude rever no final uma única saída de emergência como se quisesse esquecer da numeração linear das portas e do desenho da calçada ladrilhada cruzando cada janela, cada passo dado. Logo eu que empunhara bandeiras por diferentes esquinas, gritando meus motivos, combatendo digressões, suportando a ardência dos vergões na alma, agora ali, naquele beco sem saída, condenado a viver toda a vida com aquelas mesmas pessoas e torturado pelas longas paredes que se fechavam para comprimir o ar de meus pulmões. Por um momento, retive a atenção na fachada das casas como visão do espólio de minha guerra terminada: a paz e o silêncio conquistados para sempre ao lado daquelas pessoas que nada me diziam. Mas permaneciam todas ali, convivendo a minha volta, espelhando o meu retrato. Guardava admiração pela família dos Ramos, filhos educados, ambos cursando faculdade, os pais trabalhavam o dia inteiro e cultivavam uma púrpura vida familiar. Passeavam sempre de mãos dadas, os semblantes lívidos, o caminhar discreto. A roseira defronte a casa deles era a mais bem cuidada da rua e a primeira a florescer todos os anos, espinhando inveja nos demais moradores. Os Ramos eram a família que qualquer pessoa, até mesmo eu, sempre sonhava ter. Em frente ao mar de rosas dos Ramos morava o Alcides, funcionário público, o cabelo alinhado, a barba impecavelmente aparada, o passo firme marcando o cloque-cloque do solado de couro sobre o basalto da calçada. Alcides se encontrava, naquela hora, regando sua roseira, o olhar fixo nos tísicos galhos, talvez imaginando o dia em que ela pudesse também florescer como a dos Ramos. 45