LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
– Gosto da sua amiga árvore, Beleza. Ela parece que entende de memórias,
pelo menos sabe arriscar dizer de onde eu venho e pertenço. Mas será que ela
sabe mesmo que nós duas conversamos? Será que ela descobriu nosso segredo?
Sabe, minha amiga, enquanto ela estava falando me lembrei do meu próprio
nascimento. Você sabe que eu venho das bandas do Reino de Pedra Azul, lá onde
mora aquele que canta assim: “morei no segundo andar do Reino de Pedra Azul /
Sou morador lá das varandas, por nome Castelo Azul”… Foi ele mesmo que
descobriu a chave pra que eu voltasse aqui. Era a Memória. A memória é uma
força impressionante. É através dela que nos conhecemos desde as mais
profundas arestas. Suas linhas invisíveis nos alcançam e nos recuperam por meio
de chamados. A memória sabe cantar o passado de um jeito que valide a
experiência do presente. A memória traz os fragmentos da Beleza para que com
ela aprendamos a olhar a vida por outras óticas. A memória é o acerto dos
desimportantes pela continuidade da vida.
Depois de dizer suas palavras, a Mariana teve de se calar. Embora quisesse
continuar a conversação com sua amiga, pois também a Beleza esperava falar
suas impressões e as imagens que tinha da vida, alguém apareceu no beco. A
Beleza, ainda arriscava umas poucas palavras, mas para não serem descobertas
a Mariana se espreguiçou mais uma vez e retornou ao estado de cachorro que
não tem o escutamento tão bom quanto o falamento. Nem toda passagem do
passado é perfeita. Às vezes só uma coisa escorre, a outra espera em silêncio. O
mistério deve ser preservado de quem não compreende.
Dizem que quando a Beleza foi morar nas nuvens, a Mariana ficou sem
companhia na terra e de tanto ficar em casa, engordou tanto que quase não
podia se mexer. Depois de perder a amiga de andanças e de escutamentos, a
Mariana nunca mais quis sair. A única coisa que fazia era se deitar na boca da
noite no terreiro. Olhando para o alto, ela esperava que a amiga lhe sorrisse das
alturas e abrisse ainda os ouvidos para lhe escutar sobre seu transportamento
para o presente.
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