LiteraLivre Vl. 3 - nº 14 – Mar./Abr. de 2019
A Cerca
Czar Milch
Ali estava, cortando o pequeno jardim de primavera, a cerca branca.
Mais presente que qualquer outro elemento do bucólico descampado. A macieira,
a cadeira de veraneio, o homem assentado sobre ela, compenetrado em leitura, e
a observadora de seu outro lado. O cercado de madeira, rusticamente pintado de
branco, era que se destacava mais que tudo que compunha a cena. Tão era
proeminente a tudo que os feixes do sol da manhã pareciam querer deitar sobre
ele, e unicamente sobre ele, as suas luzes, tendo o resto iluminado apenas pela
força da luz que emanavam. Mas era por aquela extensão de lenha, grossamente
fincada no chão e pregada entre si, que os olhos do sol se comoviam.
Não se poderia dizer o por quê.
Havia pouco além de grama, no reto campo, poucas flores nascendo em
esplendor, um pouco homem absorto, um pouco livro de poucas páginas em sua
mão e uma pouca moça de vestido exuberante para o outro lado da muita cerca.
Para um observador, haveria elementos melhores a deitar a atenção, mas para o
sol matutino, com seu próprio capricho, a cerca era a mais digna de holofote.
A moça, de suaves madeixas, segura seu camafeu aflita ao vir o homem lendo o
livro. Um suspiro se espreme de seu peito, talvez não por emoção, e sim pelo
aperto do corselete. Não se poderia dizer. Novamente, a cerca era mais viva que
tudo ali. Parada e sem esboçar reação. O viver das rosas que lançavam sua
folhagem intrincadamente pelo cercado, o aperto emocionado do coração da
dama e o farfalhar da macieira se ofuscavam diante do protagonismo do cercado.
Mais um suspiro. Dessa vez, seguido por lágrima do canto de um olho. Borrou a
sombra da maquilagem e escorreu negra pela face da moça. A emoção contida
ali, claramente, deveria ter alguma história, de antes ou de agora, ou esperando
um devir.
O homem continuava alheio a tudo ao redor. Uma nova página do livro se levanta
e ergue delicadamente, revirada entre seus dedos.
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