LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
Ninguém morreu
Marina Monteiro
Rio de Janeiro/RJ
Ninguém morreu.
Eu espero um amigo na livraria. Folheio alguns livros. Procuro algumas respostas.
Às vezes, por mais ceticismo que se tenha, a gente ainda quer acreditar.
Mas ninguém morreu.
Se no luto da morte já é imposto tempo. No luto da vida são pressupostos
impaciência e desdém da plateia.
A vida grita:
- Ninguém morreu!
Mas fala isso pro meu fígado. Eu penso nele e imagino verde, pegajoso e morto.
O primeiro órgão que morreu em mim!
Ninguém morreu. Daqui a pouco logo mais de um ano ainda ontem, mas todo
mundo já esqueceu. Crianças nasceram, dentes caíram, velhos morreram.
Mataram a Marielle. Quatro tiros só na cabeça. A minha mãe tem uma dor no
braço. Ontem eu fui ao teatro. O corpo pulsa. Toda semana tem uma segunda
feira.
Quando ninguém morre, a vida continua mais feroz. O luto da vida não tem
espaço. Hoje eu quero uma cerveja na Lapa!!!
A vida segue. Tudo vai ficar bem. Meditação. Respiração. Presença. Tudo passa e
a piadinha da uva segue. Ninguém morreu. Eu não sou o
Pai
da
Menina
Morta.
E o “como se tivesse morrido” é sacrilégio. Porque ninguém morreu.
Ausência de fato.
Mas tudo em mim parece morto. Ou tudo que eu acreditava em mim.
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