Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 98

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 Ninguém morreu Marina Monteiro Rio de Janeiro/RJ Ninguém morreu. Eu espero um amigo na livraria. Folheio alguns livros. Procuro algumas respostas. Às vezes, por mais ceticismo que se tenha, a gente ainda quer acreditar. Mas ninguém morreu. Se no luto da morte já é imposto tempo. No luto da vida são pressupostos impaciência e desdém da plateia. A vida grita: - Ninguém morreu! Mas fala isso pro meu fígado. Eu penso nele e imagino verde, pegajoso e morto. O primeiro órgão que morreu em mim! Ninguém morreu. Daqui a pouco logo mais de um ano ainda ontem, mas todo mundo já esqueceu. Crianças nasceram, dentes caíram, velhos morreram. Mataram a Marielle. Quatro tiros só na cabeça. A minha mãe tem uma dor no braço. Ontem eu fui ao teatro. O corpo pulsa. Toda semana tem uma segunda feira. Quando ninguém morre, a vida continua mais feroz. O luto da vida não tem espaço. Hoje eu quero uma cerveja na Lapa!!! A vida segue. Tudo vai ficar bem. Meditação. Respiração. Presença. Tudo passa e a piadinha da uva segue. Ninguém morreu. Eu não sou o Pai da Menina Morta. E o “como se tivesse morrido” é sacrilégio. Porque ninguém morreu. Ausência de fato. Mas tudo em mim parece morto. Ou tudo que eu acreditava em mim. 94