Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 93

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 Me abrace Victor Santos Recife/PE Tenho mania de começar os textos dizendo que horas o fato aconteceu, mesmo que eu não saiba ao certo a hora exata. Eu juro que tento procurar outras formas de iniciar o primeiro parágrafo. Mas é complicado. Então vamos lá. Eram por volta das dez e meia da noite. O professor tinha acabado de entregar as provas quando percebemos uma movimentação estranha no corredor. Ouvi, vindo lá de fora, gritos como: “não faz isso", “vamos conversar”. Eu estudo no décimo quarto andar de um prédio de quinze andares, no centro da cidade. Quando sai da sala de aula para ver o que acontecia, vi uma pequena roda de pessoas tentando convencer o moço que estava disposto a jogar-se edifício abaixo. Eu o conhecia, seu nome era Paulo e era estudante do quinto período do mesmo curso que eu. Apesar das tentativas dos alunos e professores, Paulo não desistia da ideia de tirar sua própria vida. Via-se que seu rosto banhava-se em lágrimas e seus olhos, vermelhos, davam a entender que outrora chorou incessantemente. O rio que corria em suas veias transbordara pelas aberturas feitas em seu braço. Olhei para o relógio. 23h. A rodinha de pessoas tornou-se uma roda larga e, lá embaixo, o número de espectadores já era considerável. Chamaram os bombeiros. O capitão Romero se aproximou para começar as “negociações”. Após alguns minutos de conversa, o militar perguntou: - o que eu posso fazer para você mudar de ideia? Ainda em prantos, o suicida olhou para a multidão aos pés do edifício, encarou cada um do aglomerado de gente no corredor e fixou seus olhos avermelhados nos do bombeiro. Ao abrir a boca, disse, de forma quase inaudível: - me abrace. Talvez agora você se pergunte: “o Paulo se matou?”. Afirmo que Paulo se mata todos os dias, em várias cidades diferentes do mundo. Paulo se enforca, se droga, se joga, se corta. O Paulo reflete o rosto de cada ser humano que, para se sentir vivo, pede ao céu todos os dias: - me abrace. 89