LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
Ela até apareceu no começo, colocando apenas a cabeça para dentro do pequeno
banheiro, franzindo as sobrancelhas e fazendo as mesmas perguntas sem
resposta.Logo desistiu.
Mas eu não desisti. E eu continuei observando. Dia após dia, num misto de
curiosidade, ansiedade e aflição. Ela já nem me perguntava mais sobre minhas
incursões diárias ao “lavaboratório”, não espiava mais pela porta entreaberta e
estava cada vez mais distante. Ah, as mulheres.
No décimo dia, a última gota gosmenta escorreu, e eu pude ver o fundo da
peneira. Não havia restado nada. Nem um grãozinho para uma análise mais
aprofundada. Constatei que havia despejado tudo pelo ralo.
Deixei o lavabo, pensativo. Procurei por ela pela casa toda, mas ela não estava
mais lá.E não voltou mais.
Angustiado, redigi um artigo e enviei para vários sites e revistas científicos.
Precisava publicar os resultados obtidos com minha pesquisa inédita.
Apesar de não ter chegado a uma conclusão precisa e definitiva, elaborei duas
hipóteses. A ciência tem dessas coisas mesmo, tudo são teorias e hipóteses. E eu
formulei as minhas.
A primeira era difícil de aceitar e até um pouco constrangedora. Declarava que o
objeto de estudo não possuía componentes sólidos. Confesso que, apesar de
relutante em admitir tal teoria, o sumiço dela me parecia uma prova bastante
contundente. A outra hipótese, mais aceitável, era a de que o amor possui uma
consistência leitosa.
Ao final do artigo, coloquei uma observação em negrito: “sugiro que nas
próximas análises um recipiente seja colocado embaixo da peneira durante o
escoamento".
https://fernandacaleffibarbetta.blogspot.com/
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