Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 62

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 Ela até apareceu no começo, colocando apenas a cabeça para dentro do pequeno banheiro, franzindo as sobrancelhas e fazendo as mesmas perguntas sem resposta.Logo desistiu. Mas eu não desisti. E eu continuei observando. Dia após dia, num misto de curiosidade, ansiedade e aflição. Ela já nem me perguntava mais sobre minhas incursões diárias ao “lavaboratório”, não espiava mais pela porta entreaberta e estava cada vez mais distante. Ah, as mulheres. No décimo dia, a última gota gosmenta escorreu, e eu pude ver o fundo da peneira. Não havia restado nada. Nem um grãozinho para uma análise mais aprofundada. Constatei que havia despejado tudo pelo ralo. Deixei o lavabo, pensativo. Procurei por ela pela casa toda, mas ela não estava mais lá.E não voltou mais. Angustiado, redigi um artigo e enviei para vários sites e revistas científicos. Precisava publicar os resultados obtidos com minha pesquisa inédita. Apesar de não ter chegado a uma conclusão precisa e definitiva, elaborei duas hipóteses. A ciência tem dessas coisas mesmo, tudo são teorias e hipóteses. E eu formulei as minhas. A primeira era difícil de aceitar e até um pouco constrangedora. Declarava que o objeto de estudo não possuía componentes sólidos. Confesso que, apesar de relutante em admitir tal teoria, o sumiço dela me parecia uma prova bastante contundente. A outra hipótese, mais aceitável, era a de que o amor possui uma consistência leitosa. Ao final do artigo, coloquei uma observação em negrito: “sugiro que nas próximas análises um recipiente seja colocado embaixo da peneira durante o escoamento". https://fernandacaleffibarbetta.blogspot.com/ 58