LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
O cara de amarelo e azul
Lívia Stocco
Franca/SP
“Sem presente, sem pernil. Sorte se tiver uma carne pra assar”, ele
repassava o que sua mãe dissera. Mesmo assim, amarrou uma meia do lado de
fora do quarto e deixou uma fresta da janela aberta, que nem nos filmes,
apoiada num cabo de vassoura. Uma da manhã, duas da manhã, três… O sono o
venceu. Não dormiu muito, acordou às seis e meia com frio: choveu, o plástico já
não protegia muito, aberto então deixou o vento frio entrar. Checou a meia:
molhada, vazia. Pior: era a única que tinha que não estava furada. Cabeça baixa,
um engulho na garganta seca, foi contar para os irmãos pequenos que o Velho
tinha pulado a casa deles. “Tá velho demais, gordo demais”, justificou. “Vai ver
esqueceu de um monte de barraco igual ao deles”.
A mãe esfregou as mãos na toalha e enxugou os olhos vermelhos. Estão
inchados, ela deve ter tentado esperar o gordo de vermelho também. “Velho
idiota”, pensa o menino, “fazendo a gente de palhaço”.
Três batidas soam na porta e a mais velha abre: um homem magrinho
vestido de amarelo e azul. O cara nem tira o capacete, mas desce da moto, para
na porta e chama o nome dele. “Encomenda pra você, garoto”, ele diz. O coração
dispara, os olhos ardem, o nó na garganta transborda. Ele avança, pega o
pacote. Senta no chão rodeado pelos menores; eles pulam feito duendes, ele não
liga. Senta, puxa a caixa simples de papelão para si. Rompe o lacre de fita
adesiva em um segundo e a coisa acontece: estrelas e calor saem da caixa, o
barraco todo se ilumina, o menino jura que ouve sinos e gente cantando por cima
das vozes dos pequenos, que gritam: o Natal chegou, o Natal chegou!
Papai Noel? Que nada! Coisa de gringo, de quem tem lareira, carro bacana
na garagem, jardim com banquinhos pra sentar. Nunca deve ter pisado o pé num
amontoado de gente como o que ele morava. O negócio é acreditar no Cara de
Amarelo e Azul. Esse sim é ponta firme.
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