LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
perdas muito rapidamente, enquanto nós, adultos, temos tendência a sofrer por
muito mais tempo.
Perdi muito mais que meu pé de pitanga, o quintal das brincadeiras ou o
ponto
de
encontro
familiar.
Décadas
de
lembranças
gostosas
da
vida
desapareceram, jazem sepultadas, resta apenas o meu vazio interior, nada mais.
O terreno está disponibilizado para locação; quem sabe em breve teremos um
estacionamento, um posto de combustíveis ou um supermercado, mostrando a
pujança comercial de um bairro antigo que agora se moderniza, acompanhando o
ritmo de desenvolvimento acelerado da cidade, com suas novas construções e
avenidas, mas ainda conservando seus antigos problemas sociais. E, também,
alguns recentes como a falta de registros históricos e a preservação de seus
prédios seculares.
Saio dali caminhando em sentido à velha ponte, que faz a divisa do bairro
com o centro da cidade. Assim como fazia nos tempos antigos, faço uma parada
para observar as águas do rio histórico que cruza o município, e desço até uma
de suas margens para tocar aquele líquido volumoso que irá desaguar no
distante oceano.
Assusto-me ao ver meu rosto refletido nele, A imagem é a do meu rosto de
menino, não posso estar ficando louco. Fecho os olhos por alguns segundos e
torno a abri-los para novamente me observar naquele espelho.
Só então percebo que, na verdade, viajei por curto espaço no tempo. Vejo
a minha imagem de hoje, mas sob minha cabeça está refletida também a sombra
de uma pequena árvore poucos metros acima da cabeceira, uma pitangueira
muito parecida com a da minha infância, mais parecendo moldura de uma velha
janela.
Sim, uma fenestra muito igual à da antiga casa que foi derrubada. E sorrio
pela viagem saudosa pela janela do tempo, por mais doída que ela tenha sido.
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