Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 95

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 perdas muito rapidamente, enquanto nós, adultos, temos tendência a sofrer por muito mais tempo. Perdi muito mais que meu pé de pitanga, o quintal das brincadeiras ou o ponto de encontro familiar. Décadas de lembranças gostosas da vida desapareceram, jazem sepultadas, resta apenas o meu vazio interior, nada mais. O terreno está disponibilizado para locação; quem sabe em breve teremos um estacionamento, um posto de combustíveis ou um supermercado, mostrando a pujança comercial de um bairro antigo que agora se moderniza, acompanhando o ritmo de desenvolvimento acelerado da cidade, com suas novas construções e avenidas, mas ainda conservando seus antigos problemas sociais. E, também, alguns recentes como a falta de registros históricos e a preservação de seus prédios seculares. Saio dali caminhando em sentido à velha ponte, que faz a divisa do bairro com o centro da cidade. Assim como fazia nos tempos antigos, faço uma parada para observar as águas do rio histórico que cruza o município, e desço até uma de suas margens para tocar aquele líquido volumoso que irá desaguar no distante oceano. Assusto-me ao ver meu rosto refletido nele, A imagem é a do meu rosto de menino, não posso estar ficando louco. Fecho os olhos por alguns segundos e torno a abri-los para novamente me observar naquele espelho. Só então percebo que, na verdade, viajei por curto espaço no tempo. Vejo a minha imagem de hoje, mas sob minha cabeça está refletida também a sombra de uma pequena árvore poucos metros acima da cabeceira, uma pitangueira muito parecida com a da minha infância, mais parecendo moldura de uma velha janela. Sim, uma fenestra muito igual à da antiga casa que foi derrubada. E sorrio pela viagem saudosa pela janela do tempo, por mais doída que ela tenha sido. 89