LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Era uma vez …
Samuel Kauffmann
Rio de Janeiro/RJ
Menino sonhador, muito dado a fantasiar a realidade, mas não era
doidinho, não. Costumava sonhar acordado. Ele morava na roça. Como seus pais
saiam muito cedo para o trabalho, ele passava quase a manhã toda sozinho,
tendo somente sua idosa vovó, a cozinheira, as aves no quintal e animais
domésticos a lhe fazerem companhia. Tinha também uma girafa velha, que o
circo abandonara. Duas anjinhas cuidavam dela com carinho, no inverno até
agasalhavam com cobertor. Passava a tarde na escola primária, durante os dias
úteis da semana. Cursava a quarta série. Para ele o melhor eram os sábados e
domingos e feriados. Aí, sim, ele estava livre para todas as artes possíveis.
Conforme antiga tradição, foi sua mãe que lhe deu o nome: Allegro; porque
o parto foi rápido e quase indolor. O menino seria a alegria de sua vida.
Aconteceu num final de semana, numa tarde ensolarada, com um céu
muito azul, um azul de endoidar, sem qualquer nuvem a vista. Allegro estava
deitado de costa, direto no chão arenoso, sob a sombra estendida do frondoso
velho coqueiro. Naquela semana, na escola, a professorinha tinha ensinado que o
mundo em que vivemos é redondo como uma bola. Com os olhos fixos no céu,
ele pensava com perguntas que não tinha feito na escola: - “Como é possível um
mundo redondo, igual à bola? Como está apoiado e em quê? Se eu estou de um
lado, tudo que está do outro lado, abaixo de mim, não teria de cair? Bem, e cair
onde? O céu, sim, que é redondo pela metade é que está apoiado no mundo, não
é verdade? Olha o céu lá em cima. É lá que mora o Papai do Céu com os
anjinhos. Durante a noite, quando tudo está escuro, sem o Sol, o céu aparece
cheio de buraquinhos luminosos, alumiados pelo Sol de lá, que está sempre
aceso. É, lá não tem noite, nem bicho papão. Eu tenho medo do bicho papão ...”.
Allegro começou a cochilar, com os olhos semicerrados, preocupado com o
bicho papão, pois daqui a duas horas iria anoitecer. Uma cantiga começou por
ecoar em sua mente, como a tranquilizá-lo: - “Bicho papão sai de cima do
telhado, deixa o menino dormir sossegado ...”. E assim ele começou a fantasiar,
com sua rica imaginação. Pediu ajuda do saci Pererê, que não veio. Pediu ajuda
dos duendes e dos gnomos e, também, das fadas; estas vieram em seu socorro e
jogaram um pó mágico em todos, que ele aspirou, permitindo que alçasse voo. Já
era noite. Noite de luar, de Lua Cheia. As fadas, com asas translúcidas, de mãos
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