LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
asas é para quando ficamos parados. Dedos enfiados na grade cinza da Torre de
TV.
De todo jeito, asas que não farfalham, nem sobem, nem descem, nem voam, não
são comigo. E nem deviam ser assunto de cidade. É assunto de bicho livre. Que
pega as asas não para dizer que existem. Mas para permitir que cumpram seu
objetivo óbvio – o de voar. Mas é fácil não voar em Brasília. Ser estátua, apenas.
Como JK e Dona Sarah. Como acenar do alto para uma cidade em que olhar para
cima é coisa fácil de se deixar para depois.
É fácil ficar tudo bem em Brasília. Você vai ao setor que tem profusão do que
você precisa que tenha nele. Não se perde. Não titubeia. Você vai nas grandes
feiras. E lojas que têmdetudo. Não entra em emaranhados de becos. Não dá de
cara com um comércio centenário com um senhorzinho mais centenário ainda
esperando por um cliente que talvez nunca mais apareça. Não reconhece
mistérios. Nem se depara com a história. É fácil ser folha em branco em Brasília.
É fácil não gastar afeto em Brasília. Não amar. Só encontro fortuito. Sem nome,
sem telefone. No coração do Brasil. É fácil não encontrar ninguém. Só marcar
para um futuro que não vai chegar. Um café que vai esfriar nalguma mesa sem
que tenha sido tocada por ninguém, a xícara em que repousava.
É fácil não ter que explicar-se em Brasília. Só entrar e sair. Subir e descer.
Acordar e dormir. Comer e beber. Cheirar e fumar. Para esquecer-se de Brasília. É
fácil achar que é bela. É fácil encantar-se por ela. E querer sair nunca mais de
seus contornos. Nos quais, delimitados, achamos que a vida é pouca. E
suficiente.
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