LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
—Sinfonia!
- A telenovela é o que a maioria quer ver. Se somos uma minoria aqui, que se há
de fazer?
—Estou estranhando esse apetite, estamos no outono; mesmo assim está calor;
mas estranhamente estou com fome outra vez. Quanto tempo será que falta para
a dieta?
—Acho que vai demorar um pouco. É no finzinho da novela.
—Esses diretores usam toda uma parafernália de tecnologia, talvez até muito
avançada. Acho tão desproporcional para o conteúdo que eles expõem. São tão
tendenciosos. Só falam de compaixão. Me sinto num convento assistindo as
telenovelas.
—E, como os filmes, não são democráticas. Talvez peças de teatro cheguem a
permitir que os leitores leiam as falas antes de assistirem. Criar um vínculo com
a obra é importante. É isso que falta na telenovela e no cinema. Precisa
tecnologias, contar com obsolescências para manter vínculos com uma obra
assim. Fica descartável muito fácil…
—Chegou. Tente sentir ao menos a sensação de saciedade com a dieta.
***
A jovem que aplicou no equipo a última dieta da noite estava com um sorriso
diferente. Trazia consigo uma folha contendo nomes de diversos violinistas e um
aparelho de telefone móvel com um fone de ouvido.
Seguindo as coordenadas de uma das visitas que Vitória recebera à tarde, o
flautista Hugo Damasceno, e seguindo também a lista de músicos na folha, a
enfermeira faria a gentileza de tocar a sequência das músicas em violino de
diversos formatos e variações.
Vitória tentou atinar com o que teria inspirado Hugo àquela ideia. Como saberia?
Lembrou que, certa vez, quando bebiam muito vinho e falavam sobre a morte e
os últimos desejos, ela dissera que queria morrer dormindo, depois de ouvir os
mais jovens tocando violino – os mais jovens dos melhores, do naipe de Nicolas
Krassik. Hugo brincara que ela morreria cheia de tubos entrando-lhe o nariz… Ela
batia na madeira e dizia que principalmente nesse caso seria importante ouvir os
mais jovens.
Quando a enfermeira colocou para tocar o citado violinista francês-brasileiro,
Vitória teve frêmitos e sentiu seu coração bater aceleradamente.
Havia muito tempo que estava ali apenas deitada, como planta, talvez dois anos,
talvez três, e nunca mais tinha ouvido o som do instrumento que tocara desde os
quatro anos de idade. Não imaginaria que o Hugo, tão reticente na visita, tinha
feito semelhante surpresa. E que memória! Havia anos que tinham tido aquela
conversa fatídica.
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