Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 36

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 Até o rosicler Maria Carolina Fernandes Oliveira Pouso Alegre/MG A agudez daquela voz era tão angélica que até os mais rudes estavam compenetrados. Ao mesmo tempo, o som advindo não se sabe se das cordas vocais ou se diretamente da alma da anciã competia com o assoprar do vento naquela noite de luar escondido, nenhum outro sonido se atrevia a atrapalhar aquela melodia. Horas de dedicação e fé daquele grupo finalmente convenceram a tímida lua a abandonar suas densas vestimentas de algodão para apadrinhar com esplendor a liturgia. O som que antes era sublime e afável passara a ter um tom obtuso e áspero, pois homens e mulheres cantavam num coro só, intementes em falhar. Os pés das mulheres, que por poucos pliés não eram bailarinos, estavam carregando um tipo de chocalho, não tão rudimentar, não tão polido, mas suficiente para promover um timbre grandioso e singular. Os quadris de cada uma delas também portavam representações sonoras, que tilintavam a cada bamboleada e faziam a noite lacrimejar. Se pés e quadris eram adornados, o mesmo ocorria ao restante do corpo, desde o ventre até ombros e pontas dos dedos, pinturas representativas cobriam a pele das moças e das senhoras, assim como ocorria aos rostos dos homens. Havia também crianças, porém essas apenas observavam e aprendiam atentamente o compasso e a fé dos grandes. Vez ou outra alguma delas deixava escapar um riso velado de zombaria, mas essa era logo repreendida pelas crianças maiores, que entendiam aquele culto aos deuses como um agradecimento pela chuva, mãe da fertilidade dos campos e da abundância nas colheitas. Os homens, ao mesmo tempo em que cantavam e dançavam, também 30