LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Até o rosicler
Maria Carolina Fernandes Oliveira
Pouso Alegre/MG
A agudez daquela voz era tão angélica que até os mais rudes estavam
compenetrados. Ao mesmo tempo, o som advindo não se sabe se das cordas
vocais ou se diretamente da alma da anciã competia com o assoprar do vento
naquela noite de luar escondido, nenhum outro sonido se atrevia a atrapalhar
aquela melodia. Horas de dedicação e fé daquele grupo finalmente convenceram
a tímida lua a abandonar suas densas vestimentas de algodão para apadrinhar
com esplendor a liturgia. O som que antes era sublime e afável passara a ter um
tom obtuso e áspero, pois homens e mulheres cantavam num coro só,
intementes em falhar.
Os pés das mulheres, que por poucos pliés não eram bailarinos, estavam
carregando um tipo de chocalho, não tão rudimentar, não tão polido, mas
suficiente para promover um timbre grandioso e singular. Os quadris de cada
uma delas também portavam representações sonoras, que tilintavam a cada
bamboleada e faziam a noite lacrimejar. Se pés e quadris eram adornados, o
mesmo ocorria ao restante do corpo, desde o ventre até ombros e pontas dos
dedos, pinturas representativas cobriam a pele das moças e das senhoras, assim
como ocorria aos rostos dos homens.
Havia também crianças, porém essas apenas observavam e aprendiam
atentamente o compasso e a fé dos grandes. Vez ou outra alguma delas deixava
escapar um riso velado de zombaria, mas essa era logo repreendida pelas
crianças
maiores,
que
entendiam
aquele
culto
aos
deuses
como
um
agradecimento pela chuva, mãe da fertilidade dos campos e da abundância nas
colheitas. Os homens, ao mesmo tempo em que cantavam e dançavam, também
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