LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Psicanálise e Alteridade
Vinícius Bandera
São Paulo-SP
Um copo d’água, se você se abrir psicologicamente para crê-lo como calmante,
um relaxante, ele poderá produzir tal efeito. Não o tendo à mão, você poderá
encontrar outra ilusão que o faça conter a ânsia, a qual gera angústia, que o está
fazendo sentir-se defasado em relação às coisas que poderia fazer mais e melhor.
Mas o que ele gostaria de ter replicado, e não o fez, era que parte do que sentia
em termos de culpa não estava em si, mas no outro. Era uma relação de
alteridade. Dependia dos outros até quando atravessava a rua prenhe de
pedestres em ambos os sentidos, pois tinha que cuidar-se, e esperar que seus
pares fizessem o mesmo, para evitar esbarrões ou até contusões, confusões; o
apito, a buzina, o grito, o bolero de Ravel; morrer era algo iminente, caso não
fosse prudente a todo momento. Pensou algo que nunca houvera lembrado de ter
imaginado antes: o ser humano, qualquer que seja, é infindáveis vezes mais
frágil do que o chão que pisamos. Teve medo de sentir o seu corpo lançado ao
chão, quase tanto quanto de que algum carro pudesse atingi-lo. Lembrou-se de
que certa vez viu o corpo de um rapaz esborrachado na calçada, afastou-se
sentido. Não o conhecia, evidentemente, mas, reiterando, há uma relação de
alteridade, ele era ele, e vice-versa. Atravessando a faixa de pedestres, olhando
as listras pintadas, veio-lhe à mente, a despeito de sua atenção estar
concentrada na passagem, no rito de passagem, que o que matou o suicida não
foi o ato extremo do suicídio, mas o chão duro, a terra dura, que sequer tremeu
ou entrou em transe ao receber aquele peso de tão pouca monta. A velocidade
excessiva de uma queda livre, a uma altura também excessiva, digamos dois mil
metros do alto de um avião, pode matar o paraquedista, cujo paraquedas não
abrir por ter-se rasgado no contato com a asa da aeronave, antes de o corpo
atingir o chão. Então não terá sido a terra que o matou, mas algo que está no
próprio ser humano. Daí que ele, naquele emaranhado de pessoas, estava se
138