Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 13

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 A Complexada Paulo Luís Ferreira São Bernardo do Campo/SP Esta noite sonhei com uma cueca. Mas isso não tem nada de anormal, porque sempre sonho com uma cueca. Deve ser um símbolo sexual inconsci- ente... Mas o engraçado é que a cueca sempre diz querer ser uma calcinha. A coitada tem complexo de calcinha... Eu não sei por que sou tão confusa. Nem o psiquiatra sabe. Ele me receitou falar em voz alta pela manhã, pois isso era bom para a saúde mental. Serve para se desintoxicar depois da noite. “Imagine, disse ele, estar sozinha no proscênio do palco bastante iluminado, falando um memorável monólogo; diante de grandes personalidades que a escutam e você não se importa com nada, absolutamente nada… O fato é que me casei com um homem. Pelo menos é assim que as pessoas dizem deste ser de bigodes e costeletas grandes que arrotam nos momentos mais inesperados, à noite quando deitamos para dormir, por exemplo. Sou sua mulher. Isso quer dizer que devo ser feminina, – como já dizia minha mãe – o que não é fácil. A gente tem que se fazer de débil e ter os olhos amoro-sos para que o ser de unhas grandes nos proteja. Também devo ser atraente e carinhosa. Não devo permitir que me cresça os pelos nas axilas e nem no púbis. E muito menos que me caiam os dentes. Tenho que lembrar que comer massas aumenta os quadris e que os aspargos diminuem os peitos. Mas a verdade é que estou cansada, terrivelmente cansada de ser a esposa feminina desse energúmeno que fala alto, esbraveja, perde o cabelo sistematicamente até ficar careca e canta músicas antigas desafinado… Eu queria mesmo era me encher de guloseimas e não me preocupar com as gordurinhas fora de lugar, fumar uma cigarrilha e enviuvar tranquilamente sem nenhum remorso; de uma forma sem dor e elegante. 7