LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
A senhora levanta o tapa olho expondo o buraco e o limpando com agua
desmineralizada, o que causa certo nojo na garota, mas ela não pode recriminar
sua mãe.
—Não entendo filha... Não entendo mesmo... Todos sabem o que Deus faz
com quem se recusa...
Elas se sentam, servem os pratos e comem sua comida, deixando uma
cadeira vaga e um prato vazio no espaço do pai, falecido dias antes.
Rezam para que Deus o tenha levado para um lugar melhor depois daquela
noite em que foi brutalmente estrangulado em um ônibus, voltando do trabalho.
Assínia tem vinte e cinco anos e desde os dezoitos anos começaram seus
sonhos, mandados por Deus. Nesses sonhos, ela sempre é assassinada pela
mesma mulher, levemente corpulenta e com lábios finos e caídos nas bordas.
A mulher já a matou centenas de vezes de todas as maneiras possíveis e
imagináveis e certa madrugada acordou com a certeza que ela estava no quarto,
mas eram apenas suas roupas em um mancebo que lhe eram essa impressão
macabra.
Por fim acabou se acostumando com esses sonhos e deixou de ligar, vivendo
sua vida lentamente.
Sempre que pode assiste aos Encontros Gloriosos gravados em vídeo e se
emociona, pensando que um dia talvez terá o seu.
Certa tarde fria, Assínia anda pela calçada e dribla uma cena de assassinato,
um muro onde um homem moreno jaz com a garganta rasgada. A polícia,
conversa com o assassino cujas mãos estão encharcadas de sangue fresco
enquanto pessoas filmam e discutem o que acabou de ocorrer.
Pouco depois, a moça de cabelos castanhos entra em um restaurante self-
service e pega lasanha, almondegas. Aproveita também para se servir de um
delicioso refresco de limão e senta-se próxima a saída.
Precisa comer rápido para voltar ao trabalho no atendimento aos clientes,
liga seu celular e assiste, emocionada, um compilado de Encontros Gloriosos da
última semana.
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