Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 115

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 A senhora levanta o tapa olho expondo o buraco e o limpando com agua desmineralizada, o que causa certo nojo na garota, mas ela não pode recriminar sua mãe. —Não entendo filha... Não entendo mesmo... Todos sabem o que Deus faz com quem se recusa... Elas se sentam, servem os pratos e comem sua comida, deixando uma cadeira vaga e um prato vazio no espaço do pai, falecido dias antes. Rezam para que Deus o tenha levado para um lugar melhor depois daquela noite em que foi brutalmente estrangulado em um ônibus, voltando do trabalho. Assínia tem vinte e cinco anos e desde os dezoitos anos começaram seus sonhos, mandados por Deus. Nesses sonhos, ela sempre é assassinada pela mesma mulher, levemente corpulenta e com lábios finos e caídos nas bordas. A mulher já a matou centenas de vezes de todas as maneiras possíveis e imagináveis e certa madrugada acordou com a certeza que ela estava no quarto, mas eram apenas suas roupas em um mancebo que lhe eram essa impressão macabra. Por fim acabou se acostumando com esses sonhos e deixou de ligar, vivendo sua vida lentamente. Sempre que pode assiste aos Encontros Gloriosos gravados em vídeo e se emociona, pensando que um dia talvez terá o seu. Certa tarde fria, Assínia anda pela calçada e dribla uma cena de assassinato, um muro onde um homem moreno jaz com a garganta rasgada. A polícia, conversa com o assassino cujas mãos estão encharcadas de sangue fresco enquanto pessoas filmam e discutem o que acabou de ocorrer. Pouco depois, a moça de cabelos castanhos entra em um restaurante self- service e pega lasanha, almondegas. Aproveita também para se servir de um delicioso refresco de limão e senta-se próxima a saída. Precisa comer rápido para voltar ao trabalho no atendimento aos clientes, liga seu celular e assiste, emocionada, um compilado de Encontros Gloriosos da última semana. 109