Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 98

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Orientado pelos gritos, foi chegando perto. O cavalo escafedeu-se. A carroça estava ali, virada, de rodas para cima, pães esparramados pela rua inteira misturados com a terra, com o cascalho, uma desordem absurda! Tateando no escuro e guiado pelos berros, avistou o entregador de pães. Esgoelando, ensandecido! E procurou aproximar-se, devagarinho... Quanto mais se aproximava, mais ele berrava. E foi chegando gente... O entregador de pães acordara toda a vizinhança. Acho que toda a vila, tamanha a multidão que se juntava! E todo mundo ali querendo saber o que estava acontecendo, o entregador se esgoelando, arrancando os cabelos, e Juvenal no meio daquela doideira. Numa encabulação que fazia pena! Juvenal implorava ao entregador de pães que se calasse, ele queria explicar o que havia acontecido. Queria falar que foi ele quem acenou no muro do cemitério, que estava com fome, que estava trabalhando... Mas, que nada... Inútil. O entregador de pães só queria gritar... O dia estava clareando, e Juvenal continuava ali, sentado no capim, olhando para os pães espalhados pela rua, na terra. E o entregador, aos berros. Foi chamado o Seu João da botica, o único farmacêutico da vila. Ele tentou, por inúmeras vezes, falar com o entregador de pães. Inutilmente... Então, à força, cinco homens o imobilizaram e o levaram para o posto de saúde. E ele, gritando. Pelo que se conta, ele gritou por dois dias e duas noites, até que a voz acabou. E, por muito tempo, acordava no escuro da noite e punha-se a gritar. O entregador de pães se foi há muito tempo, mas durante o tempo em que viveu depois daquele dia de Finados, nunca mais foi o mesmo. E Juvenal, que se foi um pouco depois, nunca conseguiu explicar ao entregador de pães o que realmente acontecera naquela madrugada. Sempre que tentava, o entregador se transtornava, e os gritos voltavam. Então, ele desistiu. Deixou por isso mesmo... 92