Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 178

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 aridez da conversa e a apatia fizeram eclodir em riste aquelas três palavras simples que não saíam de sua cabeça. - Eu preciso chorar. Assim, desse jeito mesmo, largado, desconexo, meio sem sentido, que não se apoiava nem antes nem depois de tudo que havia falado, ele ainda retomava o fôlego quando foi interrompido por um grito masculino vindo do quarto que chamava por ela. “Já vou”, respondeu com a voz meiga que um dia fora toda dele e agora estava entregue a outro. Virou-se de volta com a mesma frieza e determinação antes de se despedir. - Não tenho mais nada pra falar contigo. A pancada surda e vigorosa contra o batente de madeira produziu um sopro em seu rosto que veio da porta arremessada com raiva e o atingiu como um soco. A tranca ágil, a maçaneta em repouso na fechadura e o som abafado dos passos distantes ergueram a barreira definitiva entre eles. O trajeto entre o prédio e o assento do carro desenhava atrás dele um vórtice de sentimentos e lembranças. A chave que girava no tambor disparava a ignição para inflamar a mistura do combustível nos cilindros do motor no momento que precedia a partida. Era isso que não havia mais entre eles, a faísca, a centelha, a fagulha que produzia a mudança do estado dos corpos em combustão. A ausência daquela força propulsora das partes que se lubrificavam para compor uma só engrenagem. Fluidos que percorreram caminhos inexplorados do corpo inerte e agora se desfazem e secam. A chuva havia engrossado e castigava o vidro com gotas furiosas. Mal dava para ouvi-lo soluçar ao volante e ver que a água de fora era também a água generosa, espessa e reprimida que saía de seus olhos e ensopava seu rosto. https://www.facebook.com/O-inverno-que-n%C3%A3o-acabou-Adriano-de- Andrade-633651450219498/ 172