LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
aridez da conversa e a apatia fizeram eclodir em riste aquelas três palavras
simples que não saíam de sua cabeça.
- Eu preciso chorar.
Assim, desse jeito mesmo, largado, desconexo, meio sem sentido, que não
se apoiava nem antes nem depois de tudo que havia falado, ele ainda retomava o
fôlego quando foi interrompido por um grito masculino vindo do quarto que
chamava por ela. “Já vou”, respondeu com a voz meiga que um dia fora toda dele
e agora estava entregue a outro. Virou-se de volta com a mesma frieza e
determinação antes de se despedir.
- Não tenho mais nada pra falar contigo.
A pancada surda e vigorosa contra o batente de madeira produziu um sopro
em seu rosto que veio da porta arremessada com raiva e o atingiu como um
soco. A tranca ágil, a maçaneta em repouso na fechadura e o som abafado dos
passos distantes ergueram a barreira definitiva entre eles.
O trajeto entre o prédio e o assento do carro desenhava atrás dele um
vórtice de sentimentos e lembranças. A chave que girava no tambor disparava a
ignição para inflamar a mistura do combustível nos cilindros do motor no
momento que precedia a partida. Era isso que não havia mais entre eles, a
faísca, a centelha, a fagulha que produzia a mudança do estado dos corpos em
combustão. A ausência daquela força propulsora das partes que se lubrificavam
para compor uma só engrenagem. Fluidos que percorreram caminhos
inexplorados do corpo inerte e agora se desfazem e secam.
A chuva havia engrossado e castigava o vidro com gotas furiosas. Mal dava
para ouvi-lo soluçar ao volante e ver que a água de fora era também a água
generosa, espessa e reprimida que saía de seus olhos e ensopava seu rosto.
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