LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Umidade Relativa
Adriano de Andrade
Niterói/RJ
Esquerda, direita. Três segundos. Esquerda, direita. Ajustou o limpador de
para-brisa no modo mais lento. A chuva começava a formar pequenos pingos
sobre o carro e ele não gostava de usar as palhetas assim com pouca água, podia
arranhar o vidro quando a superfície está recoberta de poeira e secura. Sem falar
no barulho irritante que lembrava o risco de um giz arranhando quadro negro.
Aquele par de hastes emborrachadas descreviam dois arcos que comprimiam a
visão embaçada do carro à frente, tornavam suas luzes vermelhas difusas e
ditavam o ritmo quase arrastado que o fazia dizer em voz baixa a todo momento:
“Eu preciso chorar”.
Eram essas as três palavras que ele ensaiava e prometia para si mesmo
nas duas últimas semanas em que esteve viajando. Semanas terríveis. Exatos
quinze dias contados de hora em hora sem qualquer notícia dela. Nas redes
sociais, ele fora apagado dos contatos, perdera os poucos amigos em comum e
não vira mais qualquer sinal de fotos ao seu lado. A exclusão digital é o fim
melancólico do que termina de fato na vida real.
Era apenas questão de tempo ir procurá-la pessoalmente tão logo estivesse
de volta. Tentava à exaustão encontrar alguém que não atendia telefonemas, não
respondia mensagens e não retornava os recados deixados em longa e tediosa
fila na caixa postal.
Saltou do carro e seguiu em passos apressados para não se molhar até
encontrar o abrigo da marquise. Subiu os únicos dois lances de escada do
sobrado e alcançou o andar de cima. Aprumou o corpo diante da porta e ajeitou o
cabelo pelo estreito reflexo do numeral 02 afixado à entrada do apartamento. Ao
primeiro toque da campainha, um ruído de talheres e pratos não deixava dúvidas
de que ela estava em casa. Aguardou em silêncio a resposta que não veio. O
segundo e o terceiro toques foram de desassossego e impaciência.
O soar do chaveiro, os trincos desfeitos e a maçaneta baixada fizeram
ranger a porta, que se abriu e trouxe a imagem dura do seu olhar. Sentiu um
afastamento continental a poucos centímetros dela.
- Você não deveria ter vindo aqui - ela disse.
- Você deveria ter me respondido - rebateu ele.
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