Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 173

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Temeu que não fosse encarado com bons olhos pela polícia alfandegária. Embora isento de qualquer maneira, a pouca mala e os poucos bens que poderia declarar e a falta de uma passagem de volta deixava a entender que não tem nada a fazer por ali. Um turista quase sem onde cair morto seria apenas mais um pedinte ou coisa pior. Ainda assim, não o detiveram. Talvez um novo trabalhador braçal fosse necessário aos hotéis e cassinos na região. Desce do navio e prontamente se dirige a Torre de Macau. Bela, com as luzes iluminando-a por baixo, dando-a um idílico tom. Nada mais receptivo e confortável para um sonhador como ele. Retira a carteira do bolso de novo. Estavam lá, as poucas patacas que pode adquirir. O suficiente para um abrigo modesto e procurar algo a fazer. Dirige-se resoluto, sem parar para perguntar a ninguém o caminho. Apenas segue para a torre. A primeira coisa a se fazer ali seria vislumbrar Taipa e Coloane. Ver de cima os labirintos abrilhantados da cidade. E, confiando novamente no dedo que lhe deu a cidade no Atlas, apontar um caminho ali. A torre desde sua base apresenta o que esperava vir. Shoppings, teatros, restaurantes. Lugares suntuosos e convidativos. Reclama novamente de suas perdas dos anos anteriores. Se ali estivesse antes, seria como um turista bem- vindo, e não como um deplorável perdedor como se sentia. Não tinha dinheiro para nada, apenas para avançar ao cume da torre e ver o panorama esplêndido da região. Atravessa a Ponte da Amizade entre Taipa e Macau a pé, fascinado com o reservatório que mais parecia um plácido espelho d'água, apenas se movendo com pequenas marolas que as lanchas entrecortavam naquela superfície serena, que transformava a visão em um duplo cenário, refletindo com precisão os edifícios iluminados e a própria ponte que atravessava. Via seu gêmeo ali embaixo, seu único companheiro de caminho. Talvez a emoção o tenha tomado em um instante e teve a ilusão de uma assertiva por parte dele, expressão que ele próprio não tinha feito. Talvez fosse o destino de novo confirmando sua jornada. Ao final da ponte, se apequena diante da torre. Um gigantesco monumento iluminado por luzes douradas, abrilhantadas ainda mais pelo dourado do crepúsculo. A cena o comove como nunca havia se comovido. Egoísta como era, como sua ex-mulher havia lançado inúmeras vezes em sua cara antes de cindir a união, ali ficou mais tocado do que o dia em que pegou em sua mão, com as juras que deu e não honrou. Longos minutos de contemplação. O som alto e o brilho dos cassinos ao redor não eram suficientes para retirá-lo de seu transe, quase religioso. Mas, um vulto avermelhado passa em sua frente, com uma fragrância de pimenta rosa, 167