LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Temeu que não fosse encarado com bons olhos pela polícia alfandegária. Embora
isento de qualquer maneira, a pouca mala e os poucos bens que poderia declarar
e a falta de uma passagem de volta deixava a entender que não tem nada a
fazer por ali. Um turista quase sem onde cair morto seria apenas mais um
pedinte ou coisa pior.
Ainda assim, não o detiveram. Talvez um novo trabalhador braçal fosse
necessário aos hotéis e cassinos na região.
Desce do navio e prontamente se dirige a Torre de Macau. Bela, com as luzes
iluminando-a por baixo, dando-a um idílico tom. Nada mais receptivo e
confortável para um sonhador como ele.
Retira a carteira do bolso de novo. Estavam lá, as poucas patacas que pode
adquirir. O suficiente para um abrigo modesto e procurar algo a fazer. Dirige-se
resoluto, sem parar para perguntar a ninguém o caminho. Apenas segue para a
torre. A primeira coisa a se fazer ali seria vislumbrar Taipa e Coloane. Ver de
cima os labirintos abrilhantados da cidade. E, confiando novamente no dedo que
lhe deu a cidade no Atlas, apontar um caminho ali.
A torre desde sua base apresenta o que esperava vir. Shoppings, teatros,
restaurantes. Lugares suntuosos e convidativos. Reclama novamente de suas
perdas dos anos anteriores. Se ali estivesse antes, seria como um turista bem-
vindo, e não como um deplorável perdedor como se sentia. Não tinha dinheiro
para nada, apenas para avançar ao cume da torre e ver o panorama esplêndido
da região.
Atravessa a Ponte da Amizade entre Taipa e Macau a pé, fascinado com o
reservatório que mais parecia um plácido espelho d'água, apenas se movendo
com pequenas marolas que as lanchas entrecortavam naquela superfície serena,
que transformava a visão em um duplo cenário, refletindo com precisão os
edifícios iluminados e a própria ponte que atravessava. Via seu gêmeo ali
embaixo, seu único companheiro de caminho. Talvez a emoção o tenha tomado
em um instante e teve a ilusão de uma assertiva por parte dele, expressão que
ele próprio não tinha feito. Talvez fosse o destino de novo confirmando sua
jornada.
Ao final da ponte, se apequena diante da torre. Um gigantesco monumento
iluminado por luzes douradas, abrilhantadas ainda mais pelo dourado do
crepúsculo. A cena o comove como nunca havia se comovido. Egoísta como era,
como sua ex-mulher havia lançado inúmeras vezes em sua cara antes de cindir a
união, ali ficou mais tocado do que o dia em que pegou em sua mão, com as
juras que deu e não honrou.
Longos minutos de contemplação. O som alto e o brilho dos cassinos ao redor
não eram suficientes para retirá-lo de seu transe, quase religioso. Mas, um vulto
avermelhado passa em sua frente, com uma fragrância de pimenta rosa,
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