LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
- Tá, mas o que tem essa floresta?
- Você tá com pressa?Porque daqui onde eu tô agora, o tempo não me preocupa
mais, não tenho mais essa agonia. Continue escrevendo o que eu tô falando e
não atrapalhe. Então, como eu tava falando, tava passando naquele pedaço do
matão fechado, bem devagar, a estrada é muito ruim ali, estreita, cheia de pedra
e buraco, já era de noite, eu tava com o farol aceso, mas ali, naquele lugar, até
de dia tinha que acender o farol. É sempre escuro. Bom, quando eu tava bem na
metade da floresta, parece que vi alguma coisa se mexendo no mato, na beira da
estrada, coloquei no farol alto e fui olhando, tinha um negócio se mexendo
mesmo, mas o mato tava na frente, então não dava pra ver direito. Daí, não é
que, quando cheguei mais perto, vi que tinha um homem sentado ali, na beira da
estrada, bem tranquilo?Levei um susto com aquilo, no meio daquele mato,
deserto, naquela hora da noite, só podia ser tocaia, mas o cara continuou
sentado, tranquilo, nem virou pra olhar quando o farol pegou no rosto dele. Eu
tava com pressa, porque ainda tinha que arranjar a cebola pro cliente, mas,
como dizem que a curiosidade matou o gato, parei o carro mesmo assim, e fui
ter com o sujeito. Peguei o revólver debaixo do banco e coloquei na cintura,
apaguei o farol e desliguei o carro. “Boa noite, o senhor anda perdido por essas
bandas?” disse eu, descontraído, tentando puxar conversa “Perdição?Perdição
não é comigo”, respondeu o sujeito, meio irônico. Vi que ele tava calmamente
enrolando fumo na palha de milho, continuei parado, sem saber o que dizer,
situação esquisita aquela, o sujeito começou a falar “na verdade eu tava aqui
esperando o senhor. Preciso falar com o senhor”. Fiquei encafufado, aquilo não
fazia sentido nenhum, nunca tinha visto aquele sujeito na minha vida, como ele
ia saber que eu ia passar por ali, naquele lugar deserto, naquela hora?Aliás, o
que ele tava fazendo ali?Por todas aquelas bandas, era só plantação do João,
tudo propriedade particular, e naquele dia nem teve serviço, o trator tava
quebrado. A única construção naquela área toda era o barracão do João, e
ninguém morava lá. Já fiquei preparado pra, qualquer coisa, puxar o revólver, ele
continuou “O senhor é o fulano de tal”, ele disse o meu nome completo, “o
senhor nasceu numa noite fria, muito fria. A noite mais fria do ano. Do lado de
fora, seus parentes se aqueciam numa fogueira com o que sobrou da fogueira de
São João, enquanto o senhor nascia. Era lua cheia. O senhor nasceu em cima de
uma mesa de madeira, que tinha um corte do lado, um corte de facão, coisa de
uma briga do seu avô, briga que teve sangue, muito sangue, manchou toda a
mesa. O senhor nasceu ali, bem na mancha de sangue”. Ali eu tremi, como ele
sabia de tudo essas coisas?Ele aparentava ser bem mais moço do que eu. Até
pensei em puxar o revólver e dar um tiro nesse coisa ruim, mas ele olhou pra
mim, um olhar penetrante, e eu não conseguia me mexer, tinha que ouvir tudo
que ele tinha que falar. “O senhor cresceu”, disse ele, pitando na palha de milho,
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