LiteraLivre Vl. 2- n º 11 – Set / Out. de 2018
daquele, eu conseguia a cebola de outro, então fui embora, ainda tinha que arrancar, maquinar, carregar pro caminhão sair de madrugada pra São Paulo. Agradeci o João, me despedi e quando ia saindo ele falou“ Olha, sabe de uma coisa? Eu já tô cansado com esse negócio de fazer e desfazer negócio, isso não acaba nunca”, e deu um suspiro. Nunca tinha visto o João desanimado daquele jeito. Bom, entrei no carro e fui embora.- Será que foi por isso que ele se matou? Por que tava cansado?- Continua escrevendo, você faz pergunta demais. Eu não sei se foi por isso, falar a verdade, nem sei se ele se matou mesmo.- O senhor acha que mataram ele?- Não sei, foi tudo muito estranho, o velório foi com caixão fechado, não tinha motivo. Eu não vi o João morto, por isso não posso dizer.- Mas o senhor não viu ele enforcado?- Vi um corpo pendurado na viga, o pé balançando, mas tava muito escuro, não dava pra saber, podia ser qualquer um.- Quem por exemplo?- Não sei, qualquer um. Morre gente toda hora nesse mundo, morte morrida, morte matada, morte de suicídio, o que não falta é motivo pra querer morrer, muita gente pensa desse jeito. E a polícia depois disse que o João tinha morrido pelas 2 da tarde, bem antes de eu passar por lá, já de noitinha. Então, acho que nunca vamos saber. Mesmo assim, você faz pergunta demais, continua escrevendo pra não perder o fio da meada. Voltando ao assunto, sai de lá com pressa, ainda tinha que achar outro vendedor, colher, cortar, maquinar, carregar o caminhão, ia ficar a noite inteira trabalhando, mas valia a pena, o dinheiro era bom.- Certo.- Então, você disse que já foi lá, com o vosso pai, sabe um pedaço de mata fechada, bem estreito e escuro?- Sei, um matão, bem alto.- Então, naquela época aquilo dali era uma floresta, bem fechada, um lugar escuro em qualquer hora do dia, de tão fechado. Uma floresta bonita, o João nunca deixou cortarem, foi só depois que aquela terra passou pra aqueles irmãos Matias, uns vagabundo que não sabe trabalhar, que eles cortaram tudo e plantaram cenoura no lugar. Deu uma praga, perderam tudo, quebraram pouco depois, viraram beber, hoje vivem de bar em bar, a família inteira de bêbados, o mais velho tá nas últimas, com o fígado podre. O mais novo, semana passada mesmo, um deles morreu, tava dormindo bêbado debaixo de um ônibus, o pneu passou por cima da cabeça. O do meio já tinha morrido de cirrose, acharam ele estribuchando no próprio vômito. Uma judiação, e fica a mãe pra enterrar essa desgraceira.
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