LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
- Você não teve um outro sonho, alguém que encontra um homem parado na
estrada?
- Sim, é a mesma estrada, é sempre a mesma estrada, tem uns dois lugares
reais que imagino serem representações dessa estrada, mas não a própria
estrada, que levam a lugares diferentes, mas que devem ser o mesmo lugar.
UM RETRATO FIDEDIGNO DA VIDA DE INOCENTE JOÃO LOUREIRO
- Pega a caneta logo e começa a escrever, vou falar o que é pra você fazer - disse
ele, impaciente.
- Peraí, to pegando, o senhor tem que ver, essa situação não é normal - disse eu,
tentando me justificar.
- Se eu tivesse mão, se eu tivesse dedo, eu mesmo escrevia, porque caneta é
fácil de arranjar, mas nessa situação, por isso mandei chamar você.
- Eu sei, eu sei, mas é isso mesmo que eu tô falando, uma situação dessas, não
é normal.
- Escreve aí o que eu vou falar, pra você não esquecer. Vosso pai já deve ter
falado pra você daquele barracão, lá nos fins do Amola Faca?
- Já, ele me levou lá também.
- Ele levou você lá?Bom, o que ele não contou pra você é que naquele dia, que o
João pediu pra ele trazer uma peça pro trator que tava quebrado, eu tinha
passado lá antes dele. Ninguém sabe disso, porque essa é uma história que eu
prometi levar comigo pro túmulo, e eu sou um homem de palavra, tanto que só
tô contando isso pra você agora.
- Mas o que o senhor foi fazer lá?
- No dia, eu tava com um cliente, cliente bom, que precisava de 30 mil quilos de
cebola pro dia seguinte, logo de manhãzinha, e tava desesperado atrás. Ele
precisava pra repassar no varejo, tinha uma clientela forte em restaurante de
São Paulo, e ninguém almoça sem cebola, e eu sabia que o seu João Loureiro
tinha um pedaço lá plantado que tava no ponto, e dava mais ou menos isso,
então fui lá falar com ele.
- E como ele tava?Porque mais tarde ele se matou, né?
- Continue escrevendo e não interrompe, fio. Então, cheguei lá e comecei a falar
do negócio com ele. O João era bom de conversa, bom de negócio, mas naquele
dia ele tava muito quieto, muito estranho, e nem se interessou pelo negócio que
fui falar com ele, e olha que era negócio bom, comerciante experiente que nem o
João sabia que era negócio bom. Mas ele não se interessou, nem conversou
muito comigo, vi logo que ele não queria conversa, nem negócio. Conhecia o
João desde as calças curtas, e nunca tinha visto ele daquele jeito. Bom, negocião
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