Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 167

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 - Você não teve um outro sonho, alguém que encontra um homem parado na estrada? - Sim, é a mesma estrada, é sempre a mesma estrada, tem uns dois lugares reais que imagino serem representações dessa estrada, mas não a própria estrada, que levam a lugares diferentes, mas que devem ser o mesmo lugar. UM RETRATO FIDEDIGNO DA VIDA DE INOCENTE JOÃO LOUREIRO - Pega a caneta logo e começa a escrever, vou falar o que é pra você fazer - disse ele, impaciente. - Peraí, to pegando, o senhor tem que ver, essa situação não é normal - disse eu, tentando me justificar. - Se eu tivesse mão, se eu tivesse dedo, eu mesmo escrevia, porque caneta é fácil de arranjar, mas nessa situação, por isso mandei chamar você. - Eu sei, eu sei, mas é isso mesmo que eu tô falando, uma situação dessas, não é normal. - Escreve aí o que eu vou falar, pra você não esquecer. Vosso pai já deve ter falado pra você daquele barracão, lá nos fins do Amola Faca? - Já, ele me levou lá também. - Ele levou você lá?Bom, o que ele não contou pra você é que naquele dia, que o João pediu pra ele trazer uma peça pro trator que tava quebrado, eu tinha passado lá antes dele. Ninguém sabe disso, porque essa é uma história que eu prometi levar comigo pro túmulo, e eu sou um homem de palavra, tanto que só tô contando isso pra você agora. - Mas o que o senhor foi fazer lá? - No dia, eu tava com um cliente, cliente bom, que precisava de 30 mil quilos de cebola pro dia seguinte, logo de manhãzinha, e tava desesperado atrás. Ele precisava pra repassar no varejo, tinha uma clientela forte em restaurante de São Paulo, e ninguém almoça sem cebola, e eu sabia que o seu João Loureiro tinha um pedaço lá plantado que tava no ponto, e dava mais ou menos isso, então fui lá falar com ele. - E como ele tava?Porque mais tarde ele se matou, né? - Continue escrevendo e não interrompe, fio. Então, cheguei lá e comecei a falar do negócio com ele. O João era bom de conversa, bom de negócio, mas naquele dia ele tava muito quieto, muito estranho, e nem se interessou pelo negócio que fui falar com ele, e olha que era negócio bom, comerciante experiente que nem o João sabia que era negócio bom. Mas ele não se interessou, nem conversou muito comigo, vi logo que ele não queria conversa, nem negócio. Conhecia o João desde as calças curtas, e nunca tinha visto ele daquele jeito. Bom, negocião 161