Revista LiteraLivre 11ª Edição | страница 149

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 invisível, esta estava coberta da saliva de milhares de pessoas e que, juntamente com a saliva, estavam as bactérias que depois veio a encontrar nos cadáveres. Era essa a verdadeira causa da doença. Animado, o médico subiu à tribuna durante um dos sermões do profeta e contou a verdade à população. O pastor fora acometido de uma bactéria mortífera que se disseminava através da saliva e que contaminara todas as pessoas que depois tinham beijado a estátua de São Fulano. Afinal, aquilo que todos pensavam ser a cura, era, na verdade, o mal. Era por isso que Belcrano, nunca tendo beijado a estátua, não fora infetado. Confusa, a população entreolhou-se. Então era só isso. Não era o Deus omnipresente e omnisciente que desejava que as pessoas comessem, bebessem e copulassem, mas apenas um parasita microscópico a tentar sobreviver. Assustados, todos seguiram os conselhos do médico. Não beijaram mais a estátua. Não beijaram consortes, amantes e nem mesmo crianças, pois esses também eram potenciais focos infeciosos. Mas quão entediante era esta explicação científica, que dizia que não havia uma vontade superior inefável, que tudo era concreto e definido. Melhor era a nova teologia, que deixava as pessoas sentirem à-vontade os prazeres carnais. Trazia sentido às suas vidas. Justificava a maldade e hipocrisia. Assim, quando o médico morreu, este caiu no esquecimento. Belcrano, por sua vez, foi lembrado e canonizado como São Belcrano, Santo Padroeiro da Depravação. E, todas as noites, antes de dormir, as pessoas ajoelhavam-se junto da sua cama e juntavam as mãos, rogando ao santo para que um dia pudessem deixar de cultivar os campos e apascentar o gado e pudessem viver novamente num paraíso onde comessem, bebessem e copulassem a bel-prazer. https://www.facebook.com/joaooliveiramusica/ 143