LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
invisível, esta estava coberta da saliva de milhares de pessoas e que, juntamente
com a saliva, estavam as bactérias que depois veio a encontrar nos cadáveres.
Era essa a verdadeira causa da doença.
Animado, o médico subiu à tribuna durante um dos sermões do profeta e
contou a verdade à população. O pastor fora acometido de uma bactéria
mortífera que se disseminava através da saliva e que contaminara todas as
pessoas que depois tinham beijado a estátua de São Fulano. Afinal, aquilo que
todos pensavam ser a cura, era, na verdade, o mal. Era por isso que Belcrano,
nunca tendo beijado a estátua, não fora infetado.
Confusa, a população entreolhou-se. Então era só isso. Não era o Deus
omnipresente e omnisciente que desejava que as pessoas comessem, bebessem
e copulassem, mas apenas um parasita microscópico a tentar sobreviver.
Assustados, todos seguiram os conselhos do médico. Não beijaram mais a
estátua. Não beijaram consortes, amantes e nem mesmo crianças, pois esses
também eram potenciais focos infeciosos. Mas quão entediante era esta
explicação científica, que dizia que não havia uma vontade superior inefável, que
tudo era concreto e definido. Melhor era a nova teologia, que deixava as pessoas
sentirem à-vontade os prazeres carnais. Trazia sentido às suas vidas. Justificava
a maldade e hipocrisia. Assim, quando o médico morreu, este caiu no
esquecimento. Belcrano, por sua vez, foi lembrado e canonizado como São
Belcrano, Santo Padroeiro da Depravação. E, todas as noites, antes de dormir, as
pessoas ajoelhavam-se junto da sua cama e juntavam as mãos, rogando ao
santo para que um dia pudessem deixar de cultivar os campos e apascentar o
gado e pudessem viver novamente num paraíso onde comessem, bebessem e
copulassem a bel-prazer.
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