LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
São Fulano, Santo Padroeiro Das Coisas
João Oliveira
Alcobaça - Portugal
Quando começou a sentir as primeiras febres, o pastor dirigiu-se
imediatamente à capelinha de São Fulano, santo padroeiro das coisas. Prostrou-
se diante do altar e beijou os pés da estatueta, rezando para que o santo o
curasse. Era um ritual antigo. Quando havia um problema físico, psicológico ou
espiritual, ia-se à capelinha para rezar e beijar a estatueta.
Rezava a lenda que São Fulano fora uma criança da aldeia que em tempos
fora acometida de uma terrível doença. Vendo-a definhar de dia para dia, os
médicos, curandeiros e padres já tinham perdido a esperança, mas eis que um
dia a criança acordara novamente saudável. Tudo se passara assim, da noite para
o dia. Cheios de fé e esperança, os habitantes da aldeia logo tinham começado a
acorrer junto da criança para afagarem e beijarem a sua pele renovada e assim
curarem as suas maleitas. Depois, quando Fulano envelhecera e morrera, a
memória do milagre perdurara. Construíra-se aquela capelinha e a estatueta e
canonizara-se Fulano como santo padroeiro das coisas.
Apesar dos esforços, o pastor não se sentiu convalescer. Acordava pior de dia
para dia. Tinha febres altas, dores em todo o corpo, vómitos e diarreia. Mas isso
era normal, dizia. Tinha de seguir o caminho de São Fulano. Estaria às portas da
morte e, um dia, como recompensa pela fé e devoção, acordaria de perfeita
saúde. E assim aconteceu. Um dia, o pastor abriu os olhos e não sentiu mais
fraqueza. Celebrando, vestiu-se e foi a correr para a rua. Estou curado, estou
curado, gritou! Os seus conterrâneos, exultantes, juntaram-se a ele, abraçaram-
no e beijaram-no. De repente, no meio da celebração, o pastor caiu para o lado.
Está morto, disse o médico da aldeia ao sentir-lhe o pulso.
Pouco tempo depois, mais uma dúzia de pessoas se queixou dos mesmos
sintomas. O médico aconselhou repouso. No entanto, sozinhas e perdidas, as
pessoas foram à capelinha. Como o pastor, rezaram e beijaram a estatueta de
São Fulano. Os resultados foram nulos. Também elas acabaram por padecer,
dando lugar a novas vítimas cada vez mais numerosas.
Havia, decerto, algo de errado. As orações e beijos não estavam a funcionar.
Após meditar profundamente sobre o assunto, o padre chegou a uma conclusão.
Anunciou-a no sermão de domingo. Irmãos e irmãs, as preces a São Fulano,
santo padroeiro das coisas, não nutrem resultado devido à vida de pecado que
nós levamos, confessou. Os nossos pais, avós e bisavós levavam vidas pias e
esforçadas, mas agora vivemos um período de declínio. Levamos uma vida de
141