Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 147

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 São Fulano, Santo Padroeiro Das Coisas João Oliveira Alcobaça - Portugal Quando começou a sentir as primeiras febres, o pastor dirigiu-se imediatamente à capelinha de São Fulano, santo padroeiro das coisas. Prostrou- se diante do altar e beijou os pés da estatueta, rezando para que o santo o curasse. Era um ritual antigo. Quando havia um problema físico, psicológico ou espiritual, ia-se à capelinha para rezar e beijar a estatueta. Rezava a lenda que São Fulano fora uma criança da aldeia que em tempos fora acometida de uma terrível doença. Vendo-a definhar de dia para dia, os médicos, curandeiros e padres já tinham perdido a esperança, mas eis que um dia a criança acordara novamente saudável. Tudo se passara assim, da noite para o dia. Cheios de fé e esperança, os habitantes da aldeia logo tinham começado a acorrer junto da criança para afagarem e beijarem a sua pele renovada e assim curarem as suas maleitas. Depois, quando Fulano envelhecera e morrera, a memória do milagre perdurara. Construíra-se aquela capelinha e a estatueta e canonizara-se Fulano como santo padroeiro das coisas. Apesar dos esforços, o pastor não se sentiu convalescer. Acordava pior de dia para dia. Tinha febres altas, dores em todo o corpo, vómitos e diarreia. Mas isso era normal, dizia. Tinha de seguir o caminho de São Fulano. Estaria às portas da morte e, um dia, como recompensa pela fé e devoção, acordaria de perfeita saúde. E assim aconteceu. Um dia, o pastor abriu os olhos e não sentiu mais fraqueza. Celebrando, vestiu-se e foi a correr para a rua. Estou curado, estou curado, gritou! Os seus conterrâneos, exultantes, juntaram-se a ele, abraçaram- no e beijaram-no. De repente, no meio da celebração, o pastor caiu para o lado. Está morto, disse o médico da aldeia ao sentir-lhe o pulso. Pouco tempo depois, mais uma dúzia de pessoas se queixou dos mesmos sintomas. O médico aconselhou repouso. No entanto, sozinhas e perdidas, as pessoas foram à capelinha. Como o pastor, rezaram e beijaram a estatueta de São Fulano. Os resultados foram nulos. Também elas acabaram por padecer, dando lugar a novas vítimas cada vez mais numerosas. Havia, decerto, algo de errado. As orações e beijos não estavam a funcionar. Após meditar profundamente sobre o assunto, o padre chegou a uma conclusão. Anunciou-a no sermão de domingo. Irmãos e irmãs, as preces a São Fulano, santo padroeiro das coisas, não nutrem resultado devido à vida de pecado que nós levamos, confessou. Os nossos pais, avós e bisavós levavam vidas pias e esforçadas, mas agora vivemos um período de declínio. Levamos uma vida de 141