Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 120

LiteraLivre Vl . 2 - n º 11 – Set / Out . de 2018
normal . Mas Babá precisava angariar objeto de valor e presentear Marlene . Não demorou muito e achou . Mas achou no braço dos outros , quer dizer , enxergou o relógio bonito do distraído senhor encostado no balcão da padaria Sol e Mar . Verdade , o nome da panificadora que fazia alusão ao verão carioca . Sol e Mar , padaria portuguesa em terra tropical .
Pois bem , dos tempos sombrios da vida na favela maranhense vividos antes de morar em Niterói , Babá guardou lá no fundinho a técnica do furto veloz . Na periferia do Maranhão desculpavam-no pelos roubos porque fazia para alimentar-se , mas depois , qual seria a desculpa para a delinquência ? Se as rápidas investidas o sustentaram , dias sem conta na cidade nordestina em que nasceu , a roubar miudezas e matar a fome , desnecessário reconhecer que obter coisas dos outros agora mostrava índole duvidosa . Ladrãozinho de esquina não precisava mais ser , de jeito nenhum , porque tinha mãe empregada e madrinha para esteio . Mas , senhoras e senhores , temos que reconhecer , há momentos na vida que o inesperado nos abocanha , nos surpreende como se fosse bicho a roer calcanhares . Ninguém esperava , não precisava mais roubar ! Violar nossa fé na recuperação infanto-juvenil , que pena . Inevitável afirmar , Babazinho roubou de novo , infelizmente , cedeu ao vício da ladroagem e deu o bote certeiro no punho do homem de terno encostado na chapa de aço do balcão . Coitado ! Soturno e bocejante , beirando seus cinquenta e cinco anos , o homem nem bem sentiu a leveza do tilintar da fivela arrebentando . Som quase inaudível , toque leve , barulho de passos de pivete correndo — e susto nenhum . Demorou ao menos meio minuto até a cara amarelada da vítima roubada entender o puxão . Verdade , uma lerdeza só .
Do outro lado , o imprevisível do acontecimento , um agente de polícia disfarçado junto à banca de jornal se antecipou . Havia naquele dia emboscada para pegar trombadinhas . Sim , correu e derrubou o pivete morador da Ponta da Areia , o soldado já estava acostumado a seguir ordem do governo ditador . Tempos de ditadura militar : obscuridade e silenciamento . O pivete foi agarrado e jogado na viatura . Solidão de mãe , choros sem conta , e a amiguinha Marlene nunca ganhou de aniversário relógio algum . Em 3 de março , de 1936 , aos números de desaparecidos acrescentou-se mais um à lista obscura . Tique-taque , toque-toque , porque a vida continua ... e alguém ouviu ao longe um tum-tum meio apagado . https :// escritorerick . weebly . com /
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