LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
O Furto do Relógio
Erick Bernardes
São Gonçalo/RJ
Babá desceu saltitante a pequena ladeira da vila na qual morava.
Diferentemente dos dias mais comuns, aquele 3 de março afiguraria data
especial ao novo morador do bairro da Ponta da Areia. Pois é, especialíssimo dia,
porque era aniversário da sua melhor amiga. Consequentemente, Babá precisava
comemorar a data, claro, seria mais que obrigação. Para que servem os amigos
né? Marlene completava dez anos de vida, idade gostosa de se ver, uma prévia
da adolescência. Urgia então dar um presentinho à sua preferida de aventuras,
ou melhor, presentinho não, linda como era, decerto deveria ostentar uma joia no
pescoço. Mas não deu. Nem tudo é como se deve ser. Mudanças de planos com
fins de agradá-la. No máximo Babá conseguiria surpreendê-la com um relógio
dourado da marca Tecnocolor. Coisa fina mesmo, utensílio moderno de fato.
“Marlenezinha merece o mais legal desses relógios da moda”, afirmou. Verdade,
daria de bom grado presente de ponteiros gigantes, tipo bem agigantado e bom
— e o gesto de presentear revelava-se também certa intenção galante. No
entanto, intenções à parte, furtar bens de outrem nunca deixou de configurar
crime, independentemente, um crime. Se a amiguinha descobrisse a maneira
delinquente de que Babá investiu-se no intuito de mostrar-se um colega
atencioso, uhmmm, daria confusão! Mas que bom que não soube, graças a Deus,
porque elazinha não merecia frustrar-se ao conhecer os meios pelos quais o
amigo galanteador obteve o brilhante relógio.
Na frente da catedral transitavam pedestres atarantados com o tempo
espremido da manhã de sexta-feira. Niterói em dia útil aparentava formigueiro
alvoroçado já naquele tempo, imaginem agora. Desnecessário comentar que
ninguém preocupava-se com o derredor. Andava-se anestesiadamente com os
horários constritos na cidade de Arariboia. Modernidade sempre foi isso, o tempo
voando, tendo como companheiro o tilintar baixinho dos marcadores mecânicos
do tempo. O toque-toque dos solados dos sapatos imprimiam o ritmo do trabalho
urbano e urgente, gente e mais gente traçava paralelos nos calçadões. Sim,
toque-toque no concreto da calçada, pedestres movendo-se tal qual autômatos
— e o tique-taque dos relógios a dosar obrigações transeuntes. Todos com
afazeres para o quanto antes. Toque-toque. Apressadíssimos. Entre os espaços
urbanos, o tempo a correr intransigente. Tique-taque e toque-toque. Esbarrões
de braços, encontrões, esbarrões novamente, “desculpe, perdão, estou com
pressa”. Normal, como qualquer dia de trabalho em cidade populosa, tudo
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