LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Antes do batizado propriamente dito, participamos do culto e de toda a
cantoria e dialogação exaltada com o Senhor, atividades comandadas
entusiasticamente pelo pastor e pela pastora, duas pessoas que me pareceram
muito simpáticas e queridas, por sinal. Só o louvor ficou um pouquinho
prejudicado, pois, o powerpoint resolveu não colaborar justamente na hora da
projeção das letras de alguns hinos.
Depois do culto, subimos por uma escadinha estreita de concreto na lateral
do prédio da igreja (cuja construção estava atrasada por conta da crise
econômica, já que alguns fiéis não estavam conseguindo colaborar com o dízimo
como de costume) até um espaço amplo da laje descoberta do primeiro andar,
em frente à modesta moradia do pastor e de sua abençoada família.
Fazia um pouco de frio e ventava. Os vira-latas da vizinhança latiam sem
parar; provavelmente, por ainda não estarem totalmente acostumados com a
movimentação noturna na laje. A filhinha do pastor, antecipando, ao que parece,
uma já conhecida emoção ligada ao que viria logo a seguir, apertou
inocentemente contra seu peito o bebê de brinquedo que carregava em seus
braços e aquela meiga geringonça rosada começou a repetir numa voz metálica:
“Mamãe, eu fiz cocô! Mamãe, eu fiz cocô! Mamãe, eu fiz cocô!...”. Então, o pastor
lançou um olhar pouco cristão para a filha e, logo a seguir, outro não mais
carinhoso para a sua esposa que, constrangida e atrapalhadamente, tratou de
arrastar a menininha pelo braço para o interior da residência o mais rápido que
pôde.
Recuperado do inconveniente que quase chegou a ameaçar o caráter solene
da ocasião, depois de balbuciar meio sonolento algumas palavras que formavam
uma oração decorada, o pastor enfiou impetuosamente a cabeça da Camila
dentro de uma enorme e horrorosa caixa d’água azul transbordantemente
ungida, dando a nítida impressão de que queria despachá-la, de uma vez por
todas e sem escalas, diretamente para o Reino dos Céus.
Diante daquela tentativa de afogamento explícita da minha amiga, pensei
no quanto aquela água deveria estar suja e contaminada e senti uma vontade
imensa de esmurrar a cara do pastor, que parecia estar descontando na Camila a
raiva sentida em relação ao seu próprio rebento. Mas, para não aumentar ainda
mais o nível de constrangimento dos envolvidos naquela encenação toda e
também porque sou, na maioria das vezes, uma pessoa propensa ao diálogo e à
paz, contive meus impulsos justiceiros.
Depois disso, voltamos para casa sãos e salvos. Tudo bem que a Camila –
ainda um pouco encharcada da água batismal – tremia da cabeça aos pés: não
sei se do susto, se do frio, ou de ambos. Mas, o importante é que, ao que tudo
indica, ela agora estava mais cristã, mais viva e mais purificada do que nunca.
Graças a Deus!
28