Revista ideaas | DOIS |
Longevidade
PRECISAMOS
FALAR SOBRE
A MORTE
Essa é uma das poucas certezas da vida, mas sempre damos
um jeito de fugir do assunto. Por que será?
P
orque é dolorido, claro. E a gente busca evitar a dor. Vivemos em uma socie-
dade em que não há espaço para expressarmos nossas vulnerabilidades – elas
são vistas como um sinal de fraqueza. Assim, seguimos “fortes”, mascarando
o sofrimento, sendo autossuficientes, porque as coisas têm de dar certo, porque pre-
cisamos resolver tudo sem pedir ajuda.
Além disso, embora a morte seja inevitável, nós, humanos, vivemos nos enganando,
pensando “se for acontecer; quando acontecer; o dia em que acontecer” – e que esse dia
ainda está longe (bata na madeira três vezes!). “Ou seja, se ela é certa, não acreditamos
que precisamos falar sobre isso”, diz Tom Almeida, fundador do Movimento Infinito,
um grupo de discussão que propõe diferentes abordagens para lidar com o tema.
Para a médica Ana Cláudia Quintana Arantes, especializada em geriatria e gerontolo-
gia, diretora executiva da A Casa Humana, focada em oferecer cuidados paliativos e
reabilitação em casa, evitamos falar em morte, porque não sabemos lidar com limites.
Você passa a vida fazendo
cursos para saber mais, ter
mais sucesso, dinheiro,
aceitação, amigos..., mas
o “mais” acaba, é finito.
Por isso as pessoas têm
dificuldade de falar sobre a
morte, porque a vida é finita,
tem um limite.
Ana Cláudia Arantes
A Casa Humana
MUITAS CHANCES PELO CAMINHO
Ninguém precisa colocar “falar sobre morte” na agenda.
Isso deve acontecer naturalmente – porque, afinal, viver e
morrer deveriam ser temas abordados de forma natural. E
há muitas oportunidades para discutir o morrer. Quando
alguém próximo, parente ou amigo, está muito doente,
por exemplo. Ou quando um conhecido ou até uma cele-
bridade morre. Eis o link para puxar o assunto. “A partir
daí é possível usufruir da chance de discutir o tema sem
ter de fazer aquele comentário bobo que é dizer ‘Deus
me livre!’, porque isso não vai acontecer, todo mundo vai
morrer”, lembra Ana Cláudia.
“Você tem medo de morrer?”, “Como você quer fazer, caso
esteja sofrendo muito e não haja mais chance de recu-
peração?”, “Se estiver bem doente, prestes a morrer, quer
permanecer no hospital ou prefere ir para casa?”, “Tem
alguma coisa que você deseja resolver antes de morrer?”.
Essas e outras questões podem fazer parte de uma con-
versa franca sobre o assunto com seus amigos ou entes
queridos. E, embora muita gente ache isso sinistro, a abor-
dagem é uma demonstração de amor. “Não se trata do
caminho mórbido para a morte, mas da luz que ela traz.
Mostra que você se importa com aquela pessoa, a ponto
de furar a dor para discutir o assunto. Isso cria intimidade
e conexão”, avalia Tom Almeida.
Falar sobre a
morte mostra que
você se importa
com aquela pessoa,
a ponto de furar a
dor para discutir
o assunto. Isso
cria intimidade e
conexão.
Tom Almeida
Movimento Infinito
O que se ganha ao conversar sobre a morte, certamente
é a valorização da vida. Saber que se uma pessoa é impor-
tante para você, nada mais justo do que viver o melhor de
cada dia com ela. Então, aquela história de não deixar para
amanhã o que pode fazer hoje é a máxima para quem
quer zerar as contas com quem se gosta. “Viva. Com a
certeza de que pode ser o último dia. Essa consciência
lhe dá condição de fazer escolhas lúcidas em relação ao
tempo que tem aqui”, afirma Ana Cláudia.
3 REFLEXÕES SOBRE A MORTE PARA UMA VIDA MELHOR
Elas certamente impactam – e muito – quando chegar o momento da despedida
1
2
O que é importante para Se eu tivesse 30 dias, uma
mim? Quais são os meus semana ou um dia de vida,
o que eu faria de diferente
valores? Quem são as
para ser feliz?
pessoas importantes na
minha vida e o que eu faço
para conviver bem com elas?
3
Do que eu me arrependo
hoje e posso mudar para
ter uma vida melhor com
quem amo?
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