Revista ideaas Edição DOIS | Page 26

Revista ideaas | DOIS | Longevidade PRECISAMOS FALAR SOBRE A MORTE Essa é uma das poucas certezas da vida, mas sempre damos um jeito de fugir do assunto. Por que será? P orque é dolorido, claro. E a gente busca evitar a dor. Vivemos em uma socie- dade em que não há espaço para expressarmos nossas vulnerabilidades – elas são vistas como um sinal de fraqueza. Assim, seguimos “fortes”, mascarando o sofrimento, sendo autossuficientes, porque as coisas têm de dar certo, porque pre- cisamos resolver tudo sem pedir ajuda. Além disso, embora a morte seja inevitável, nós, humanos, vivemos nos enganando, pensando “se for acontecer; quando acontecer; o dia em que acontecer” – e que esse dia ainda está longe (bata na madeira três vezes!). “Ou seja, se ela é certa, não acreditamos que precisamos falar sobre isso”, diz Tom Almeida, fundador do Movimento Infinito, um grupo de discussão que propõe diferentes abordagens para lidar com o tema. Para a médica Ana Cláudia Quintana Arantes, especializada em geriatria e gerontolo- gia, diretora executiva da A Casa Humana, focada em oferecer cuidados paliativos e reabilitação em casa, evitamos falar em morte, porque não sabemos lidar com limites. Você passa a vida fazendo cursos para saber mais, ter mais sucesso, dinheiro, aceitação, amigos..., mas o “mais” acaba, é finito. Por isso as pessoas têm dificuldade de falar sobre a morte, porque a vida é finita, tem um limite. Ana Cláudia Arantes A Casa Humana MUITAS CHANCES PELO CAMINHO Ninguém precisa colocar “falar sobre morte” na agenda. Isso deve acontecer naturalmente – porque, afinal, viver e morrer deveriam ser temas abordados de forma natural. E há muitas oportunidades para discutir o morrer. Quando alguém próximo, parente ou amigo, está muito doente, por exemplo. Ou quando um conhecido ou até uma cele- bridade morre. Eis o link para puxar o assunto. “A partir daí é possível usufruir da chance de discutir o tema sem ter de fazer aquele comentário bobo que é dizer ‘Deus me livre!’, porque isso não vai acontecer, todo mundo vai morrer”, lembra Ana Cláudia. “Você tem medo de morrer?”, “Como você quer fazer, caso esteja sofrendo muito e não haja mais chance de recu- peração?”, “Se estiver bem doente, prestes a morrer, quer permanecer no hospital ou prefere ir para casa?”, “Tem alguma coisa que você deseja resolver antes de morrer?”. Essas e outras questões podem fazer parte de uma con- versa franca sobre o assunto com seus amigos ou entes queridos. E, embora muita gente ache isso sinistro, a abor- dagem é uma demonstração de amor. “Não se trata do caminho mórbido para a morte, mas da luz que ela traz. Mostra que você se importa com aquela pessoa, a ponto de furar a dor para discutir o assunto. Isso cria intimidade e conexão”, avalia Tom Almeida. Falar sobre a morte mostra que você se importa com aquela pessoa, a ponto de furar a dor para discutir o assunto. Isso cria intimidade e conexão. Tom Almeida Movimento Infinito O que se ganha ao conversar sobre a morte, certamente é a valorização da vida. Saber que se uma pessoa é impor- tante para você, nada mais justo do que viver o melhor de cada dia com ela. Então, aquela história de não deixar para amanhã o que pode fazer hoje é a máxima para quem quer zerar as contas com quem se gosta. “Viva. Com a certeza de que pode ser o último dia. Essa consciência lhe dá condição de fazer escolhas lúcidas em relação ao tempo que tem aqui”, afirma Ana Cláudia. 3 REFLEXÕES SOBRE A MORTE PARA UMA VIDA MELHOR Elas certamente impactam – e muito – quando chegar o momento da despedida 1 2 O que é importante para Se eu tivesse 30 dias, uma mim? Quais são os meus semana ou um dia de vida, o que eu faria de diferente valores? Quem são as para ser feliz? pessoas importantes na minha vida e o que eu faço para conviver bem com elas? 3 Do que eu me arrependo hoje e posso mudar para ter uma vida melhor com quem amo? 26