envolve o leitor emocionalmente com a narrativa, atendendo a uma identificação imediata entre o mundo do leitor e do texto. Neste tipo de leitura, temos textos que vulgarizam conhecimentos, fragmentam conteúdos e tomam verdades como absolutas. São textos que, costumeiramente, não estremecem as bases culturais do leitor, não o colocam em estado de perda, de desconforto ou descontentamento.
Ao se reconhecer a dimensão política da leitura, o sujeito identifica que através dela pode reelaborar um conhecimento de mundo que lhe permite criticar sua própria condição de existência dentro da sociedade em que está inserido.
Muitas vezes, só somos capazes de explicitar o que vivemos pelas chaves que outros fornecem. Nossas obscuridades são iluminadas pelo pronunciamento de terceiros. Há sensações que nos são obscuras, que não conseguimos desenvolver sem essa troca. E a literatura nos dá versões das nossas experiências, retratando as nossas sensações por meio de uma decifração inconsciente. Ela cria pontes entre o eu e o outro, vínculos entre as nossas subjetividades e o que se mostra a todos.
A partir de fragmentos apanhados aqui e ali, fabricamos um sentido que nunca nos fora dado, conseguimos ordenar uma significação para a qual já nos inclinávamos antes. Compartilhando a leitura, o leitor pode experimentar a sensação de pertencer a alguma coisa. A leitura possibilita essa abertura para o outro não só pelas conversas que acontecem sobre os livros. Mas em um texto, ao experimentarmos a nossa verdade mais intima e também a humanidade compartilhada, as relações com o outro se transformam. Trata-se de elaborar uma relação com o mundo que dê sentido a sua vida.
A leitura precisa ser pensada como produto de uma ação cultural historicamente constituído, como um valor que se articula com o conjunto de valores e saberes socialmente construídos. O ato de ler é um processo que se constrói decodificando a linguagem escrita com contínuas inferências. O leitor processa a informação codificada em textos escritos, negociando as representações do mundo que estes o trazem, em função de seus conhecimentos e valores prévios. Toda leitura exige um envolvimento entre a informação textual e a própria bagagem do leitor.
A leitura dialoga com a confusão mental provocada pela incompreensão intrínseca ao que está fora de nós. O nosso ser vive em uma constante busca por elaborações simbólicas que muitas vezes nos leva, através das fontes, ao conhecimento de nós mesmos. Redirecionando o texto através das nossas significações, podemos encontrar nele o que o autor não pensou. Quando a leitura não é encarada em sua função utilitária, como algo que é imposto, ela pode se tornar parte do indivíduo, pode fazê-lo rememorar as
142 ABRIL | 2017