Revista de Medicina Desportiva Novembro 2020 Novembro 2020 | Page 17

Asma e exercício em ambiente frio
simpática e alterações vasomotoras da circulação coronária reduzem o limiar de isquemia durante a exposição ao frio . Estas respostas não têm um impacto relevante em indivíduos saudáveis , mas como o limiar de isquemia é alcançado mais cedo com a prática de exercício em ambiente frio , podem precipitar angina de peito na presença de DAC ( estima-se em cerca de 40 % dos doentes com DAC sintomática ). A IC é muito heterogénea , tanto na etiologia como na apresentação clínica , partilhando alguns mecanismos também ativados pelo frio , que constituem mesmo alvos na sua abordagem terapêutica , mas que podem desta forma originar descompensação clínica . Além do risco clínico , o aumento do trabalho cardíaco com o frio diminui o rendimento e a capacidade física dos doentes com DAC e IC . A hiperestimulação simpática pela exposição ao frio também pode aumentar o risco de algumas arritmias .
O aumento da PA basal e a resposta pronunciada ao frio ( alguns estudos revelam aumento de 5-30mmHg na PA sistólica e 5-15mmHg na diastólica ), combinada com disfunção autonómica , podem comprometer a capacidade para o exercício e aumentar o risco em doentes hipertensos . O aumento da rigidez arterial com o frio é outro mecanismo responsável por esta resposta . Em conjunto , estas alterações podem aumentar o risco de AVC , tanto isquémico como hemorrágico . Além dos efeitos na PA , o frio eleva os valores da HbA1C , aumentando o risco em diabéticos .
Em suma , o exercício na doença CV deve ser incentivado , mas devidamente prescrito e individualizado . É essencial conhecer as suas características , nomeadamente o ambiente em que é realizado , porque a prática com temperaturas extremas , sobretudo na presença de algumas doenças , pode precipitar eventos clínicos graves .

Asma e exercício em ambiente frio

Dra . Mariana Bragança 1 , Prof . Doutor André Moreira 1-3
1
Serviço de Imunoalergologia , Centro Hospitalar Universitário de São João ; 2 Imunologia Básica e Clínica , Departamento de Patologia , Faculdade de Medicina da Universidade do Porto ; 3 EPIUnit – Instituto de Saúde Pública , Universidade do Porto .
A asma induzida pelo exercício ( AIE ) é definida pela presença de obstrução transitória das vias aéreas e sintomatologia de asma após a prática de exercício físico de elevada intensidade , em asmáticos . Esta apresentação clínica em indivíduos sem asma é denominada broncoconstrição induzida pelo exercício ( BIE ). 1 A exposição a determinadas condições ambientais , como ar frio e / ou seco , alergénios , cloraminas de piscinas e a poluição atmosférica favorece a broncoconstrição durante a prática de exercício físico intenso e prolongado no tempo em indivíduos suscetíveis . 2 Os atletas de endurance expostos a baixas temperaturas , durante os treinos / competição , apresentam uma taxa de ventilação aumentada com inalação de grandes quantidades de ar frio e seco . Em resposta a esta exposição , consequência da humidificação e aquecimento do ar inalado , ocorre desidratação das vias áreas , com libertação de mediadores inflamatórios , e broncoconstrição através do reflexo parassimpático . À vasoconstrição inicial segue-se a hiperemia secundária que condiciona edema e agrava a obstrução brônquica . 3
A exposição crónica ao ar frio e seco durante o exercício físico , nomeadamente em atletas de elite de desportos de inverno , condiciona lesão do epitélio respiratório e inflamação das vias aéreas , contribuindo para o desenvolvimento de AIE / BIE ( Figura 1 ). Num estudo com atletas de cross country ski constatou-se que estes apresentam hiperreatividade brônquica ( HRB ) e sintomas de asma numa percentagem significativamente superior
aos controlos , sendo que cerca de metade dos atletas estudados apresentavam AIE . 4 Estudos posteriores comprovaram a maior prevalência de AIE / BIE em atletas de elite que praticam desportos de inverno e um risco nove vezes superior de desenvolver asma ocupacional em relação a outros desportos . A prevalência de asma nestes atletas aumenta com a idade dos atletas e a manutenção da prática desportiva . 1 , 2
As manifestações de AIE / BIE em ambiente frio são as mesmas que noutro ambiente , com o surgimento de dispneia , pieira , aperto torácico e / ou tosse , geralmente , 5 a 30 minutos após exercício físico intenso . É expectável a regressão gradual e espontânea dos sintomas , sendo por vezes necessário recorrer a terapêutica de alívio . 1 Contudo , após exercício em ambiente frio , esta recuperação pode ser atrasada se houver retorno acelerado a um ambiente quente , por exacerbação da desidratação da via aérea e edema por hiperemia secundária , com agravamento da broncoconstrição . 5
Perante um atleta com sintomatologia sugestiva de AIE / BIE é necessário objetivar obstrução variável das vias aéreas através de espirometria com prova de broncodilatação [ aumento do FEV1 superior a 12 % e 200mL ] ou , caso esta seja normal ou duvidosa , HRB em testes de provocação brônquica . 6 Os testes mais utilizados são provas de provocação com exercício ( em campo ou no laboratório ) e de hiperventilação voluntária eucápnica ( EVH ), cuja redução superior a 10 % do FEV1 determina positividade . Estes testes procuram mimetizar os grandes volumes de ar seco inalados durante a prática de exercício de endurance . Um estudo recente , comparou a EVH com um teste de ar frio ( corrida de 5km no exterior , a -15 ° C ) e demonstrou que não há correlação entre estes testes e que a EVH pode não refletir a HRB decorrente do exercício em ambientes frios . 5 Além destes , outros testes mais acessíveis na prática clínica podem ser utilizados , nomeadamente prova com metacolina ou com soluções hiperosmolares . 7 Perante resultados negativos , é necessário procurar um diagnóstico alternativo para a sintomatologia do atleta .
Revista de Medicina Desportiva informa novembro 2020 · 15