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Rev . Medicina Desportiva informa , 2022 ; 13 ( 2 ): 31 . https :// doi . org / 10.23911 / paragem _ cardiaca _ 2022 _ mar
Evolution of Incidence , Management and Outcomes Over Time in Sports-Related Sudden Cardiac Arrest 1
Prof . Doutor Ovídio Costa . Cardiologista . Professor jubilado da FMUP . Porto .
Resumo e comentário
Pouco se tem escrito sobre a ocorrência da paragem cardíaca súbita ( PCS ) durante as atividades físicas recreativas e de lazer . É vulgar associar-se o desporto de lazer à prática de exercícios de baixa intensidade e baixo nível de stress , o que nem sempre é verdade . O exercício físico de baixa intensidade é considerado muito seguro e os seus efeitos benéficos são realçados em todas idades e em quase todas as situações . Por outro lado , o exercício físico intenso e o stress associado à competição são gatilhos que podem originar a PCS ou o enfarte do miocárdio .
Um estudo prospetivo , recentemente publicado , da autoria de Eloi Marijon e colaboradores 1 , que envolveu a população da grande Paris ( 7.000.000 habitantes ), desde 2005 a 2018 , demonstrou que 94.7 % das 377 PCS associadas ao exercício físico ocorreram em praticantes de meia-idade de desportos recreativos . Só 5.2 % das PCS se verificaram em jovens atletas de competição .
Duas outras importantes conclusões sobressaíram desta análise : a incidência de PCS permaneceu relativamente estável ao longo do tempo em que o estudo decorreu , enquanto a mortalidade diminuiu significativamente devido ao aumento na taxa de sobrevivência ( 3 vezes ), consequência da melhoria das medidas de socorro e do uso muito mais frequente do desfibrilador automático externo ( 18 vezes mais , ver ilustração central ).
Os autores salientam , a propósito das medidas de prevenção deste evento , as duas estratégias fundamentais : triagem sistemática dos praticantes através do exame médico-desportivo e das medidas de socorro e de reanimação ( RCR ) imediatas no terreno , que devem
sempre incluir o uso do desfibrilador automático externo .
O estudo de Marijon analisou a hipótese de a sobrevivência ter aumentado substancialmente nas últimas décadas devido ao uso mais generalizado e eficaz da cadeia de sobrevivência em função dos meios usados , das características dos praticantes e das doenças subjacentes . Entre os praticantes com causa de PCS identificada , a doença das artérias coronárias foi a principal causa ( 68,7 %), seguido das cardiopatias estruturais não isquêmicas ( 16,9 %), cardiopatias elétricas e canelopatias ( 9,6 %). Em 4,8 % dos casos foram identificadas outras causas cardiovasculares , incluindo disseção aórtica e hemorragia cerebral , entre outras .
Nos 205 casos ( 54,4 %) ocorridos em instalações desportivas , a taxa de RCR aumentou ao longo do tempo ( P < 0,001 ), atingindo 97,9 % no último biénio contra 50,0 % no início do estudo ( P = 0,002 ). Houve , também , um aumento da taxa de uso de DEA que atingiu 34,9 % durante o último período de estudo vs 3,1 % no início do estudo . Combinando a evolução da incidência de SCA e a sobrevida ao longo do estudo , observou-se diminuição significativa da mortalidade geral e o aumento de dois terços na taxa de sobrevivência .
No seu conjunto total , a PCS foi presenciada em 347 casos ( 92,3 %) e as manobras de reanimação foram iniciadas em 258 casos ( 68,4 %). O DEA foi usado no terreno , mesmo antes da chegada do serviço médico de emergência , em apenas 38 casos ( 10,5 %).
Nestes casos , constatou-se também que nem todos os espetadores estavam cientes da mudança de regulamentação que possibilita , desde 2007 , a utilização do DEA por leigos e , portanto , a necessidade de educação do público para permitir o uso mais generalizado do desfibrilador .
A baixa eficácia do exame médicodesportivo na identificação dos indivíduos em maior risco de morte súbita e , como , tal na prevenção da PCS associada ao exercício físico , foi também realçada . A relativa baixa eficácia do exame médico-desportivo tem sido apontada em vários estudos recentes 2 , 3 , em particular quando não se incluiu o ECG de repouso no rastreio . Porque a doença arterosclerótica coronária é a principal causa de PCS nos praticantes de meia-idade ( como ficou demostrado neste estudo ), a melhoria do rastreio da aterosclerose arterial na população em geral e , em particular , nos atletas e praticantes com idade superior a 35 anos que desejam praticar atividades desportivas , deverá ser também objeto de grande reflexão .
O uso das técnicas de imagem ( score de cálcio coronário , angiotac e angiografia coronária ) para o diagnóstico estrutural da doença e os testes funcionais de isquemia ( ressonância magnética e cintigrafia miocárdica com estudo da perfusão e a prova de esforço ) para a estratificação do risco são , atualmente , os nossos melhores recursos .
De salientar , por fim , que o exercício físico intenso e o stress são os dois fatores gatilho que mais frequentemente explicaram a ocorrência destes eventos em portadores assintomáticos de lesões não criticas , o que , juntamente com a elevada eficácia do tratamento médico na estabilização e , mesmo , na regressão da placa aterosclerótica , faz com que a utilização destes meios de diagnóstico sejam fundamentais para a prevenção destes eventos a curto e longo prazo .
Bibliografia
1 . Karam N , Pechmajou L , Narayanan K et al . Evolution of Incidence , Management , and Outcomes Over Time in Sports-Related Sudden Cardiac Arrest . J Am Coll Cardiol . 2022 Jan 25 ; 79 ( 3 ): 238-246 . doi : 10.1016 / j . jacc . 2021.11.011 . PMID : 35057909 .
2 . Landry CH , Allan KS , Connelly KA , et al . Sudden cardiac arrest during participation in competitive sports . N Engl J Med . 2017 ; 377:1943-1953 .
3 . Malhotra A , Dhutia H , Finocchiaro G , et al . Outcomes of cardiac screening in adolescent soccer players . N Engl J Med . 2018 ; 379:524-534 .
Nota : este texto não substitui , antes pelo contrário , destina-se a sinalizar e motivar a sua leitura atenta . Não perca a oportunidade .
Revista de Medicina Desportiva informa março 2022 · 31