Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2018 | 页面 4

Rev. Medicina Desportiva informa, 2018; 9(5):2 Professor José Santos Diretor desportivo da equipa de ciclismo do Boavista É o diretor desportivo da equipa de ciclismo do Boavista. Há quantos anos anda por cá? Quantas Voltas a Portugal já fez? Tem ideia do número de kms que fez atrás dos ciclistas? A minha ligação ao ciclismo vem desde miúdo, dadas as afi- nidades com o meu pai, Império dos Santos, com a modalidade, e também pelo facto de ter sido um bom ciclista. Há sempre uma ligação afetiva a tudo o que os nossos país fazem ou gostam. Fiz este ano a 40ª Volta, duas como ciclista, seis como jornalista e 32 como diretor despor- tivo. Quanto a kms, a uma média de 40.000 por ano, já dava mais de um milhão e meio de kms. O apoio médico tem vindo a melhorar, mas no passado... O ciclismo viveu sempre de uma cultura de conhecimentos ancestrais baseados na passagem de uma gera- ção para outra de pequenas receitas, a maioria delas relacionadas com a recuperação e outras, infelizmente com poções mágicas para dar mais força. Atualmente as equipas dis- põem de uma equipa médica que aconselham os ciclistas, até mesmo na sua preparação. Como se consegue alimentar e hidratar um ciclista numa etapa de 200 km? É um trabalho importante, em espe- cial numa prova por etapas. Sabe- mos que quanto melhor for a hidra- tação de um atleta, melhor será a sua recuperação. Para uma equipa 2 setembro 2018 www.revdesportiva.pt de sete ciclistas, como este ano na Volta, preparámos cerca de 200 bidons diariamente. A maior parte são de água, uma quarta parte de sais (na: bebida desportiva). As gelei- ras têm de estar bem geladas, para proporcionar ao atleta uma melhor hidratação. Neste capítulo, a meio da etapa damos também gelatina, que vai junto ao abastecimento. A alimentação hoje em dia é feita mais à base de barras e géis energé- ticos, com uma ou duas bananas, e utilizamos ainda aletria com frutos secos ou arroz doce. Para uma etapa de mais de 160 kms utilizamos dois abastecimentos sólidos, um que o ciclista leva logo à partida nos bolsos da camisola e outro distribuído a meio da etapa. No final, uma das preocupações maiores é a hidratação. Primeiro uma dose de água mais alcalina, um recuperante líquido e por vezes melancia que ajuda também. O ciclismo tem sido associado à dopagem... não é bem assim, pois não? O ciclismo tem sido ao longo dos anos a modalidade pioneira na luta contra a dopagem e, por via disso, expôs-se em demasia. Há muitas modalidades que ainda não têm passaporte biológico, por exemplo, e o ciclismo já há muitos anos que adotou esta medida de controlo. As diversas agências de antidopagem aproveitam o ciclismo como cobaia. Há um tratamento diferenciado entre o ciclismo e as outras moda- lidades. Um exemplo de como o ciclismo é tratado diferentemente foi o caso Operação Puerto, em Espanha, que envolveu centenas de atletas, entre os quais os melhores tenistas do país, grandes nomes de futebol, mas apenas os ciclistas foram penalizados. Diz-se que nem uma seringa podem transportar ... Está proibido a qualquer médico ou paramédico de uma equipa levar uma seringa, o que de alguma forma evidencia um tratamento diferente em relação a outras modalidades. Não se pode correr com uma infiltra- ção. Nesta Volta a Portugal as equi- pas foram visitadas cinco vezes pela brigada de controlo antidopagem: depois de terminada a etapa por três vezes e outras duas pela manhã bem cedo. A nenhuma modalidade sucede isto. Agravado pelo facto destes controlos causarem perturbação no descanso, recuperação e funcio- namento das equipas, dado serem efetuados em plena competição. Na maioria dos casos estes controlos terminam por volta das 23.00 horas, interferindo mesmo com o jantar dos ciclistas. E em relação aos suplementos. São mesmo necessários? Primeiro penso que uma correta alimentação é a base de uma boa recuperação. Depois, surge um bom descanso e o cumprimento do plano de treinos, e só depois vêm os suple- mentos. Sem os três pontos que referi em primeiro lugar, por muitos suplementos que os atletas tomem não conseguem suprir as suas insu- ficiências. Os suplementos são, pois, um bom complemento de um plano de preparação alargado. Tem muitas histórias vividas no mundo ciclismo. Quer partilhar algumas? Os ciclistas merecem-me muito res- peito. Numa Volta às Astúrias, com muito frio, neve e chuva e no denso nevoeiro, descortino um ciclista da equipa, em plena a descida, parado, sem ter descido da bicicleta com um pé no chão. As suas mãos tinham enregelado e não conseguia sentir os dedos das mãos. Tinha tirado as luvas e urinado nas mãos para as aquecer.