Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2016 | Page 4

Rev . Medicina Desportiva informa , 2016 , 7 ( 5 ), pp . 2
Prof . Doutor Vítor Hugo Teixeira Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
publicou em maio um documento de que é autor : A Nutrição no Desporto . Que documento é este ?
Assistimos nestes tempos , e mais do que nunca , a um interesse enorme por parte da população sobre questões ligadas à nutrição e desporto e a comunidade académica respondeu a esta procura com uma produção científica frenética . A facilidade de acesso a estudos científicos não se traduziu , paradoxalmente , num consumidor mais informado . As novas tecnologias de informação democratizaram a informação científica , mas também permitem a proliferação de interpretações abusivas ou enviesadas de estudos , com propósitos pessoais ou corporativos , com o alegado suporte científico . É , pois , fundamental saber interpretar a informação disponível , integrá-la e contextualizá-la para não se retirarem conclusões com pouca validade externa . Foi neste contexto , que surgiu o convite da Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável / DGS para elaborar este documento . Trata-se de um manual prático orientador destinado aos profissionais do Serviço Nacional de Saúde que todos os dias recebem muitos pacientes com questões deste âmbito nos seus consultórios .

Entrevista

A Direção Geral de Saúde
Está prevista a divulgação em larga escala , pois , aparentemente , passou despercebido ?
A DGS optou pela edição em formato eletrónico para leitura gratuita em qualquer local , inclusive a partir de um tablet . Entre as muitas dezenas de manuais publicadas todos os anos , este documento foi um dos mais descarregados e lidos nas redes sociais em 2016 . Segundo os responsáveis da DGS terá sido lido por mais de 50.000 pessoas . Já em 2017 , poderá ser feita uma edição em papel para além do on-line que continua disponível e a ser lido diariamente por muita gente .
3 . Mas o atleta precisa mesmo de uma alimentação especial ?
Os atletas são pessoas com predicados físicos e técnicos ímpares , sustentados e potenciados por cargas de treino exigentes . Não há atletas de excelência sem treino otimizado e não há treinos de excelência sem alimentação otimizada . As melhorias induzidas pelo estímulo do treino são influenciadas pelo estado nutricional e hormonal do atleta que dependem daquilo que ele come e quando come . Não faz sentido fazer tanto sacrífico a treinar afincadamente para melhorarem a sua prestação e negligenciar um dos aspetos que a afeta . Obviamente que há atletas formidáveis que não treinam nem se alimentam ( nem repousam , já agora ) de forma irrepreensível . E apesar de , mesmo assim , serem capazes de vencer todos os adversários , não vencem aquilo que conseguiriam alcançar se tivessem estes cuidados . Isto não significa que a alimentação deva ser especial . Deve ser adaptada às exigências energéticas , ao tipo de treino , aos objetivos , ao momento competitivo , etc . Mas a nutrição no desporto não é rocket science , apesar de assistirmos , como em todas as áreas , a efabulações que apenas têm o propósito de supostamente credibilizar a ação do profissional de saúde . Não é a minha filosofia , pois gosto da nutrição “ descomplicada ”. Mas a pressão social , suportada na narrativa de social media scientists (!?), sobre os profissionais de saúde por vezes resulta em recomendações de alimentos ou suplementos que mais parecem baseadas no google trends do que no pubmed . É , também , por estas razões que as Universidades devem encontrar outras formas de divulgação científica e não depositarem os seus trabalhos em bibliotecas de acesso restrito .
... e o praticante regular de exercício físico , no ginásio ou na estrada ?
A atitude mais importante que um praticante de exercício pode tomar é optar por escolhas mais saudáveis na maior parte dos seus episódios alimentares . Não precisa - e se calhar nem deve – de ser em todas as refeições . Por outro lado , tem de ter consciência que treinar 2 ou 3 vezes por semana não lhe dá “ carta-branca ” para comer sempre tudo o que quer .
Uma alimentação saudável e flexível permite-lhe tirar partido do treino que realiza enquanto praticante amador . Não vejo necessidade de recorrer a suplementos , eventualmente com a exceção da cafeína e creatina em circunstâncias especiais , e dos suplementos com hidratos ( géis , bebidas …) e proteínas ( soro …) por uma questão de conveniência . Mas como é evidente , uma parte dos atletas recreativos pensa que os suplementos são imprescindíveis , o que demonstra a força esmagadora do marketing sobre a evidência científica , que atinge os utentes mas também os profissionais de saúde . As pessoas gostam que se lhes recomende coisas “ especiais ” e os colegas prescrevem coisas “ especiais ” para se sentirem atualizados . Por exemplo , nos dias de hoje , considera-se ultrapassado recomendar a ingestão de leite a seguir ao treino por comparação com proteína de soro , mas não há um estudo que demonstre essa superioridade .
O mercado está inundado de suplementos , bastante publicitados . Estaremos a criar uma falsa mensagem ?
Sem dúvida . Estamos a inflacionar o impacto que estes têm no rendimento desportivo . No que respeita à nutrição , é mais importante o balanço energético , a distribuição da energia pelos macronutrimentos ( proteínas , gorduras e hidratos de carbono ) e a ingestão de micronutrimentos ( vitaminas e minerais ) do que a toma de suplementos . E entre estes apenas alguns tem evidência científica clara , como sejam o caso da cafeína , creatina , bicarbonato , beta-alanina , sumo de beterraba e suplementos de soro , géis e bebida desportiva .
2 Setembro 2016 www . revdesportiva . pt