Rev . Medicina Desportiva informa , 2012 , 3 ( 5 ), pp . 18 – 20
Tema 3
Fibrilhação auricular : contexto geral e nos desportistas
Dr . Rui Candeias 1 , Dr . M . Veloso Gomes 2 Serviço de Cardiologia do Hospital de Faro EPE
1
Cardiologista ; 2 Chefe de Serviço de Cardiologia . Clinica Cardiologia e Medicina Desportiva Veloso Gomes
RESUMO ABSTRACT
A fibrilhação auricular ( FA ) é uma arritmia frequente na população em geral e a prevalência aumenta com a idade . Está associada a taxas mais elevadas de eventos cardiovasculares , mesmo na FA não valvular . Existem dúvidas se a prática de exercício físico intenso e prolongado constitui um risco acrescido de FA nos desportistas . Os mecanismos etiopatogénicos são controversos , registando-se predomínio em homens e nos desportistas de endurance . A prevenção e tratamento da FA são revisitados incluindo as indicações para ablação por cateter .
Atrial fibrillation ( AF ) is a frequent arrhythmia in general population and the prevalence increases with age . The arrhythmia is associated with higher rates of cardiovascular events , including non valvular AF . There is controversy about intense and prolonged physical exercise as a risk factor for AF in athletes . The etiopathogenic mechanisms are unclear , but a higher incidence in man and endurance athletes is observed . Prevention and treatment of AF are revisited including the indications for catheter ablation .
PALAVRAS CHAVE KEY-WORDS
Fibrilhação auricular , exercício , ablação Atrial fibrillation , exercise , ablation
Epidemiologia
A fibrilhação auricular ( FA ) é a arritmia cardíaca mantida mais frequente . Afeta 1 a 2 % da população geral e a tendência da prevalência é de crescimento . Aproximadamente 6 milhões de europeus sofrerão desta arritmia , número que poderá duplicar em 50 anos 1 , 2 . A prevalência da FA aumenta com a idade , com valores inferiores a 0.5 % entre os 40 e 50 anos e de 5 a 15 % aos 80 anos 1-5 . Aos 40 anos o risco de desenvolver FA até ao resto da vida é de aproximadamente 25 % 6 . A prevalência é maior nos homens . Estes valores de prevalência podem estar subestimados pelo facto de a arritmia poder não provocar sintomas , pelo que muitos doentes nunca se apresentarão nos hospitais .
Eventos cardiovasculares relacionados com a FA
A FA associa-se a taxas mais elevadas de mortalidade , acidente vascular cerebral ( AVC ), insuficiência cardíaca ( IC ), hospitalizações , a pior qualidade de vida e a menor capacidade funcional . A taxa de mortalidade está duplicada nos doentes com FA , de forma independente de outros preditores de risco 7 . Grande parte desta mortalidade estará relacionada com eventos tromboembólicos , uma vez que a terapêutica antitrombótica tem demonstrado reduzir essa mortalidade 8 .
O diagnóstico de FA ( não valvular ) confere um risco de AVC aumentado em 5 vezes . Um em cada 5 AVCs é atribuído à arritmia . Os AVCs isquémicos relacionados com a FA são mais incapacitantes , o risco de recorrência é maior e são mais frequentemente fatais . FA assintomática não diagnosticada é uma causa possível de AVC “ criptogénico ”. Em doentes com AVC agudo , a monitorização eletrocardiográfica sistemática identifica FA em um de cada 20 doentes . Eventos embólicos assintomáticos em doentes com FA podem contribuir para a disfunção cognitiva , incluindo demência vascular 9 .
Condições associadas à FA
A FA associa-se a várias condições cardiovasculares e não cardiovasculares , nomeadamente : idade , hipertensão arterial , diabetes mellitus , obesidade , cardiopatia valvular , cardiomiopatias , doença arterial coronária , cardiopatias congénitas , insuficiência cardíaca sintomática , disfunção tiroideia , doença pulmonar obstrutiva crónica , apneia do sono e doença renal crónica 10 , 11 . As condições associadas à FA são igualmente marcadores de risco cardiovascular global .
FA e IC têm uma relação estreita . Aproximadamente 30 % dos doentes com FA apresentam sintomas de IC e em 30 a 40 % dos doentes com IC é encontrada FA . Esta pode ser causa ou consequência da IC . As alterações cardíacas estruturais por trás da IC , com as correspondentes alterações hemodinâmicas e neuro-humorais , promovem a FA . Em FA a função hemodinâmica é afetada pela perda da contração mecânica das aurículas , pelas frequências ventriculares elevadas e pela irregularidade da resposta ventricular . Elevações persistentes da frequência ventricular podem levar a disfunção sistólica do VE , condição designada por taquicardiomiopatia 12 . A Doença cardíaca valvular é encontrada em cerca de 30 % dos doentes com FA . A doença arterial coronária está presente em mais de 20 % dos doentes com FA . Quer a doença pulmonar crónica , quer a doença renal são encontradas em 10 a 15 % dos doentes com FA .
Existem formas de FA com tendência familiar identificada . Diferentes doenças cardíacas de causa genética conferem um risco acrescido de FA , nomeadamente a cardiomiopatia hipertrófica e as doenças elétricas primárias , como a síndrome de Brugada e as síndromes do QT longo e do QT curto 13 . Outras formas familiares de FA estão associadas a mutações nos genes do péptido natriurético auricular e nos canais de sódio e de potássio 14-16 . Estas formas familiares de FA têm a particularidade de se manifestarem em populações de doentes mais jovens .
18 · Setembro 2012 www . revdesportiva . pt