Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2019 | Page 24
Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(2):22-24. https://doi.org/10.23911/Biomec_trauma_crossfit
Biomecânica e Traumatologia
no CrossFit. ®
Dr. Diogo Lino Moura 1 , Dra. Inês Frohn 2 , Dra. Joana Pinheiro Torres 3 , Dra. Ana Inês 4 , Prof. Doutor
Fernando Fonseca 5
1
Médico Interno de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC);
2
Médica Interna de Medicina Geral e Familiar (MGF), USF Eça de Queiroz, Barreiro, CrossFit ® Montijo;
3
Médica Interna de MGF, USF Pulsar, Coimbra; 4 Assistente Hospitalar de Ortopedia e Traumatologia,
CHUC, CrossFit ® Mondego; 5 Diretor de Serviço de Ortopedia e Traumatologia do CHUC. Coimbra.
RESUMO / ABSTRACT
A popularidade crescente e o aumento exponencial na última década do número de pra-
ticantes de CrossFit, bem como as características biomecânicas deste desporto, que inclui
exercícios cardiovasculares e de força constantemente variados e por vezes executados em
elevada intensidade, levam a que tenham surgido preocupações em relação à segurança
desta modalidade e risco de lesões traumáticas. Contudo, e apesar da literatura científica
atual sobre traumatologia no CrossFit ser ainda muito limitada, esta demonstra que a sua
incidência de lesões traumáticas é semelhante a desportos tais como halterofilismo, cor-
rida e ginástica e inferior a desportos de contacto. A maioria das lesões no CrossFit atinge
os ombros e a região lombar e consistem em dores inflamatórias e roturas ligamentares
ou musculares ligeiras, que permitem um rápido regresso à prática desportiva. É funda-
mental conhecer a incidência, o tipo, os fatores de risco e os mecanismos das lesões mais
frequentes, de modo a desenvolver estratégias de prevenção e assim proteger os pratican-
tes de CrossFit.
The growing popularity and the last decade exponential increase of the number of CrossFit prac-
titioners, as well as the biomechanical properties of this sport, which includes constantly varied
cardiovascular and strength exercises sometimes performed with high intensity, raised concerns
about its safety and traumatic injuries risk. However, despite of current scientific literature about
CrossFit traumatology is still very limited, it shows that its traumatic injuries incidence is similar to
sports like weightlifting, running and gymnastics and inferior to contact sports. Most of the CrossFit
injuries affect the shoulders and the lower back and consist on inflammatory pain, strains and
sprains, which allow a fast return to the sports practice. It is essential to know the incidence, type,
risk factors and mechanisms of most frequent injuries, in order to develop preventive methods to
protect the CrossFit practitioners.
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
CrossFit, lesões, trauma, ombros, fatores de risco
CrossFit, injuries, trauma, shoulders, risk factors
Introdução
O CrossFit é uma modalidade
desportiva que surgiu em 1996 em
Santa Cruz, Califórnia, Estados Uni-
dos da América, sendo apenas em
2000 oficializada com a marca Cros-
sFit.Inc.® (CrossFit). 1,2 Originalmente
foi concebido como uma metologia
de treino para forças policiais e mili-
tares com o objetivo de melhorar a
sua eficiência de movimentos, força
muscular e resistência cardiovascu-
lar. 3,4 No entanto, em poucos anos
este desporto ganhou popularidade
e expandiu-se para a população
geral. Atualmente é um dos despor-
tos que mais cresce a nível mundial,
em particular pelos exercícios de
alta intensidade constantemente
variados que o caracterizam, pela
22 março 2019 www.revdesportiva.pt
diversidade, prática em grupo,
entreajuda, superação e competição
saudável. 3,5,6
Biomecânica
O CrossFit é definido como uma
combinação de exercícios aeróbios
cardiovasculares com exercícios
anaeróbios progressivos de força
constantemente variados. Os exercí-
cios são diversos e têm uma abran-
gência bastante alargada no grau
de complexidade, desde a simples
corrida, bicicleta, remo e saltos, a
exercícios de maior complexidade
técnica como a elevação de pesos,
exercícios em barras, argolas, ginás-
tica, entre outros. 1,3,4,6–8 Em cada
sessão de treino é efetuado um pro-
grama de treino distinto e adaptado
a cada praticante de acordo com
as suas características, condição
física, limitações e preferências.
Habitualmente uma sessão de treino
tem duração de 45 a 60 minutos e é
dividida em quatro períodos: aqueci-
mento, trabalho de força ou técnica,
treino do dia (WOD – Workout of the
day) e alongamentos. O WOD é a
base desta modalidade, varia entre
6-7 a 20-25 minutos de duração, e
consiste na fase de treino de maior
intensidade, na qual cada atleta
executa uma variedade de exercícios
programados e se tenta superar a
si próprio, quer pela qualidade do
movimento requerido, quer pelo
número de repetições ou tempo em
que realiza o exercício proposto. 1–3,5,8
Lesões
A popularidade crescente e o
aumento exponencial na última
década do número de praticantes de
CrossFit, bem como as característi-
cas biomecânicas deste desporto ao
incluir vários exercícios distintos e
complexos efetuados em diferentes
graus de intensidade e por vezes em
níveis importantes de fadiga muscu-
lar (favorecedora de erros técnicos),
levam a que tenham surgido preo-
cupações em relação à segurança
desta modalidade quanto ao risco
de lesões traumáticas. 8 Contudo, a
literatura científica atual acerca do
risco e prevalência de lesões trau-
máticas no CrossFit é ainda muito
limitada. 1,5,6,8 Nesta secção os auto-
res fazem uma revisão dos estudos
mais relevantes acerca de lesões
traumáticas no âmbito do CrossFit.
Um estudo prospetivo seguiu uma
coorte de 117 praticantes adultos de
CrossFit ao longo de 12 semanas e
identificou 12.8% de lesões traumá-
ticas, correspondendo a uma taxa
de 2.10 a cada 1000 horas de prática
desportiva. 6 A maioria das lesões
foram agudas (n=11), o tempo médio
que os atletas estiveram afastados
da prática desportiva foi de 15±24
dias e a mediana de 7 dias. Os exer-
cícios com elevação de pesos foram
responsáveis por 86.7% das lesões
verificadas e os segmentos mais
atingidos foram a região lombar
(n=5), joelhos (n=3), punhos (n=2) e
coxas (n=2). Os pacientes do sexo
masculino (risco relativo de 4.44)
e aqueles com história de lesões