Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2019 | Page 13
e pâncreas, pode causar falência
orgânica, podendo ameaçar a vida
do doente. Trata-se de um problema
sério a ter em consideração quando
se verifica hiperferritinémia (≥
200ug/L nas mulheres ou ≥ 300ug/L
nos homens) ou saturação de trans-
ferrina > 45%. Deve ser realizada
investigação complementar com res-
sonância magnética nuclear hepá-
tica e cardíaca. Eventualmente pode
ser realizada ressonância de outros
órgãos afetados, como o pâncreas,
embora não seja recomendado
por rotina. A biópsia hepática está
reservada para os doentes em que
é necessário quantificar os depósi-
tos de ferro e a avaliar a extensão
da lesão hepática. 1,2 A maioria dos
doentes necessita de tratamento que
consiste em flebotomias nos doentes
que não apresentem anemia signifi-
cativa e quelantes de ferro quando
esta está presente. 1,2,4
Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(3):11-13 https://doi.org/10.23911/CC_hiperferrit_2019_5
Hiperferritinémia num Atleta
de Fundo – a Propósito de um
Caso Clínico
Dr. Arnaldo Abrantes 1 , Dra. Sara Augusto 2 , Dra. Margarida Fonseca 3 , Dra. Catarina Brízido 4 , Dra. Isabel
Madruga 5
1
Especialista de Medicina Geral e Familiar, Pós-Graduado em Medicina Desportiva, Responsável Médico do
Estoril Praia Futebol SAD, Co-fundador da Athletika – Clínica Médica e Desportiva; 2 Assistente Hospitalar
de Medicina Interna, Serviço de Urgência do Hospital de Vila Franca de Xira; 3 Interna de 5.º ano de
Medicina Interna no Hospital Egas Moniz (HEM); 4 Interna de 3º de Cardiologia no Hospital Santa Cruz;
5
Chefe de Serviço de Medicina Interna do HEM, Diretora de Serviço de Medicina do HEM. Lisboa.
RESUMO / ABSTRACT
A hiperferritinémia pode ter múltiplas causas, nomeadamente hereditárias, secundárias
ou congénitas. Deve ser cuidadosamente investigada, pois a sobrecarga de ferro em dife-
rentes órgãos causa toxicidade, levando ao desenvolvimento de cirrose hepática, cardio-
miopatia, diabetes mellitus, artropatia, hiperpigmentação, hipogonadismo e impotência
sexual, por exemplo. Apresentamos o caso de um atleta de alta competição de atletismo
(meio-fundo e fundo), de 38 anos de idade, com hiperferritinémia e com dois fatores de
risco associados: administração regular de ferro endovenoso em doses controladas e
mutação H63D em heterozigotia. Estes fatores isoladamente não causariam sobrecarga de
ferro com lesão de órgão, mas associados conduziram a hiperferritinémia com sobrecarga
de ferro hepática e esplénica.
Caso clínico
Hyperferritinemia can have multiple causes, namely hereditary, secondary or congenital. It must
be carefully investigated, because iron overload in different organs causes toxicity, leading to the
development of liver cirrhosis, cardiomyopathy, diabetes mellitus, arthropathy, hyperpigmenta-
tion, hypogonadism and sexual impotence, for example. We present the case of a high level athlete
(middle and long-distance runner), 38 years old, with hyperferritinemia, and with two associated
risk factors: regular administration of intravenous iron in controlled doses and H63D mutation in
heterozygosity. These factors alone would not cause iron overload with organ damage but associated
led to hyperferritinemia with hepatic and splenic iron overload.
Apresenta-se o caso de um homem
de 38 anos de idade, atleta de alta
competição de atletismo (meio-
-fundo e fundo) durante 18 anos,
tendo estado presente nuns Jogos
Olímpicos e em vários campeonatos
internacionais de corta-mato.
Apresenta antecedentes pessoais de
hipercolesterolemia e rinite alérgica
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Hiperferritinémia, Mutação H63D, Hemocromatose secundária
Hyperferritinemia, H63D mutation, Secondary hemochromatosis
Tabela 1 – Causas de hiperferritinémia
Introdução
A hiperferritinémia pode ter múl-
tiplas causas (tabela 1), nomeada-
mente hereditárias (a maioria provo-
cada por mutações no gene HFE que
levam à absorção de ferro exógeno a
nível do intestino delgado, sendo as
mais comuns as C282Y e H63D) ou
secundárias (como anemias asso-
ciadas a eritropoiese ineficaz que
levam a sobrecarga de ferro, admi-
nistração parentérica de ferro ou
doença hepática crónica). Há ainda
etiologias mais raras, como é o caso
da atransferrinemia congênita. 1-3
A sobrecarga de ferro desenvolve-
-se de forma gradual e silenciosa,
por vezes com sintomas inespecífi-
cos. A deposição cumulativa de ferro
em múltiplos órgãos, nomeada-
mente vitais, como o fígado, coração
Primárias (hereditárias)
TIPO 1
HH relacionada a mutação do
gene HFE (C282Y/ C282Y; C282Y/
H63D)
Secundárias
Outras causas
Anemias associadas a eritropoiese
ineficaz, com sobrecarga de ferro
Talassemia major, anemia sidero-
blástica, anemia hemolítica crónica,
anemia aplástica, deficiência de
piruvato cinase, anemia responsiva à
piroxidina Sobrecarga de ferro
neonatal
Sobrecarga de ferro parentérica
Transfusões de sangue, ferro parenté-
rico, hemodiálise Aceruloplasmine-
mia
Doença hepática crónica
VHB, VHC, doença hepática alcoólica,
esteatose hepática não-alcoólica;
decorrente de shunt porto-cava; porfi-
ria cutânea tarda Atransferrinemia
congênita
TIPO 2
Hemocromatose juvenil
- tipo 2A: mutação na hemojuve-
lina – HJV
- tipo 2B: mutação na hepcidina
– HAMP
TIPO 3
Hemocromatose relacionada ao
recetor 2 da transferrina (TfR2)
TIPO 4
Doença ferroportina (SLC4OA1)
Síndrome dismetabólica de sobre-
carga de ferro
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