Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2018 | Page 12
Rev. Medicina Desportiva informa, 2018; 9(3):10-13. https://doi.org/10.23911/Patol_cartilag_crianca
Patologia da Cartilagem em
Crianças e Adolescentes
na Prática Desportiva.
Tratamento e Prevenção
Dr. Alexandre Rebelo-Marques 1,2,3 , Prof. Doutor João Páscoa Pinheiro 1,3,4
1,2
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; 2 Clínica do Dragão, Espregueira-Mendes Sports
Centre – FIFA Medical Centre of Excellence; 3 Especialista em Medicina Física e Reabilitação e em 4 Medicina
Desportiva. Serviço de Medicina Física e Reabilitação, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
RESUMO / ABSTRACT
A crescente exigência do treino desportivo em crianças e adolescentes determina uma
maior frequência da patologia da cartilagem. A cartilagem hialina é um tecido conjuntivo
viscoelástico de grande complexidade estrutural e de notável resistência, tendo um papel
importante na proteção articular. Quando traumatizada, apresenta limitações de regene-
ração e cicatrização, condicionando assim um forte impacto na atividades desportiva. A
patogenia lesional distribui-se entre a macrotraumatologia (lesão aguda) e a microtrauma-
tologia (lesão crónica). As recomendações terapêuticas são controversas, tanto no âmbito
da terapêutica conservadora como da cirúrgica. A educação do atleta e dos diferentes
agentes desportivos é um elemento essencial na prevenção lesional. A investigação clínica
nesta patologia e neste grupo populacional é muito limitada e habitualmente de baixa
evidência. Este artigo pretende apresentar diversos elementos clínicos, no âmbito da pre-
venção e terapêutica, suportado na evidência e dirigidos a esta população específica.
The growing demand of sports training in children and adolescents determines a greater frequency
of cartilage pathology. Hyaline cartilage is a viscoelastic connective tissue of great structural
complexity and remarkable strength, playing an important role in joint protection. When injured, it
presents limitations of regeneration and healing, thus conditioning a strong impact on sports activi-
ties. Pathogenesis of injuries is distributed between macro (acute lesion) and micro-traumatology
(chronic lesion). Therapeutic recommendations are controversial, both in conservative and surgical
therapy. Education of the athlete and the different sports agents is an essential element in the pre-
vention of injury. Clinical research in this pathology and in this population, is limited and usually of
low evidence. This article intends to present several clinical elements, in the fields of prevention and
therapeutics, support ed by the evidence and directed to this specific population.
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Cartilagem, Tratamento, Prevenção, Crianças, Adolescentes
Cartilage, Treatment, Prevention, Child, Adolescents
Introdução
As crianças e os adolescentes
iniciam precocemente a prática des-
portiva, facto que justifica o número
crescente de lesões desportivas neste
grupo. Esta população tem carac-
terísticas morfo-antroprométricas
próprias, favorecendo patologias
articulares específicas. A qualidade
da metodologia de treino e as carate-
rísticas do gesto técnico dominante
justificam também o comprometi-
mento do sistema musculoesquelé-
tico, particularmente no âmbito da
patologia microtraumática.
A patologia da cartilagem é rela-
tivamente frequente justificando
uma grande diversidade de clínica
sintomática e colocando diversas
10 maio 2018 www.revdesportiva.pt
restrições de natureza desportiva e
de prognóstico funcional na idade
adulta.
A cartilagem é um tecido conjun-
tivo viscoelástico formado ainda no
estádio embrionário do desenvolvi-
mento humano, antes do início da
formação óssea. 1,2 Os seus principais
componentes são células espe-
cializadas, os condrócitos, água e
componentes da matriz extracelular,
principalmente colagénio (essen-
cialmente tipo II – 90-95%), que lhe
confere grande resistência e elastici-
dade. 1,3 A cartilagem hialina, reves-
tindo as superfícies articulares, está
presente nas articulações sinoviais
e tem importantes ações mecânicas,
tais como a distribuição de carga, a
absorção do impacto e a redução do
atrito durante o movimento. 3 Como
exemplo, no joelho pode suportar
cargas até seis vezes o peso corpo-
ral. 2,4 Após a formação, a cartilagem
hialina sofre remodelação, adqui-
rindo na maturidade do sistema
esquelético uma estrutura heteroge-
nia com três camadas diferenciadas,
nas quais células e componentes da
matriz têm orientações e concentra-
ções distintas. 3 Devido à sua baixa
densidade celular e à baixa ativi-
dade proliferativa, e ao seu caráter
avascular, a cartilagem é pratica-
mente incapaz de se autorregenerar
após lesão ou degeneração provo-
cada por doenças comuns, como a
osteoartrose 1 Quando traumatizada,
geralmente não recupera facilmente
a estrutura e a função original e
facilmente pode sofrer degeneração
com deterioração funcional no movi-
mento. 1,3
A nutrição da cartilagem é feita
essencialmente pelo líquido sinovial.
Mas, ao contrário do que acontece
no adulto, nas crianças a interface
osso/cartilagem é permeável à água
e solutos. 5
A cartilagem está sujeita a várias
cargas mecânicas, tanto estáticas,
como dinâmicas. A sua capacidade
de sustentar as forças de compres-
são, tração e de cisalhamento está
diretamente relacionada com a
composição e integridade da matriz
extracelular. A rigidez e permeabili-
dade estão relacionadas com o teor
de proteoglicanos e fibras de colagé-
nio, enquanto a tensão e elasticidade
estão relacionadas com a configu-
ração tridimensional das fibras de
colagénio. 3
Quando o tecido cartilagíneo
sofre uma compressão, o líquido da
matriz extracelular tende a deixar
o retináculo dos proteoglicanos,
reduzindo a hidratação das cargas
negativas dessas macromoléculas
que se repelem, aumentando assim
a rigidez do tecido cartilagíneo e
reduzindo a sua deformação. A fase
sólida é elástica e não compressível,
absorvendo apenas 5% das cargas
aplicadas à articulação, enquanto
a fase líquida é compressível e não
viscosa, absorvendo os 95% res-
tantes. Após um impacto, toda a
cartilagem comporta-se como uma
fase sólida não compressível porque
o fluido não tem tempo para fluir
através da fase sólida. 6,7