Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2016 | Page 32

A entrevista Rev. Medicina Desportiva informa, 2016, 7 (3), pp. 30–31 Ronald Koeman: Um Senhor Treinador! O dia dedicado ao “Desenvolvimento do futebol juvenil: um investimento para o futuro” teve um contributo extraordinário de alguém que foi jovem, jogou ao mais alto nível e é agora treinador da equipa de futebol de Sounthampton: Ronald Koeman. O ex-jogador de grandes equipas, como o Barcelona, onde foi treinado por aquele que mudou a mentalidade do clube em relação ao futebol jovem, Cruijff, da seleção nacional holandesa e marcador de mais de 200 golos veio partilhar algumas das suas ideias com os cerca de 800 presentes naquela sessão. De um modo simples, claro e muito genuíno, numa entrevista de 30 minutos, revelou o seu pensar sobre o apoio médico ao atleta, assim como manifestou algumas insatisfações. Quando era jovem, e mesmo quando já jogava na equipa principal, não beneficiou dos cuidados médicos que agora acontecem. Não havia médicos e apenas alguns fisioterapeutas por lá andavam. Contudo, quando chegou ao F C Barcelona encontrou um excelente apoio médico, no equipamento e nas pessoas, o qual continua sempre a crescer, aliás, como se constatou nas palestras dos oradores provenientes daquele clube. Tanto como jogador, como agora como treinador, sempre respeitou a opinião do médico de equipa, do departamento médico. Aprecia a confiança e defende a comunicação. Não é por acaso que antes da conferência de imprensa dialoga com o médico, pois espera que os jornalistas lhe perguntem o 30 Maio 2016 www.revdesportiva.pt tempo de paragem que ainda resta dos jogadores magoados. Não se mete em assuntos médicos, pois para estes está lá o médico para fazer o seu trabalho, referiu. Também não se envolve na psicologia, pois o clube tem um especialista para essa função, que não é a sua, o qual deve ser positivo, especialmente nas lesões de longa duração. O jogador deve estar rodeado por pessoas competentes, com função multidisciplinar, para que nada falte ao jogador e para que ele pense apenas no jogo. Também este mudou nos últimos 30 anos e o jogador atual tem uma vida mais facilitada, que pode ser perigoso, pois “tanta facilidade pode fazer com que o jogador escorregue”. Não lamenta não ter tido este tratamento quando era jogador jovem, pois, referiu, as eventuais dificuldades também ajudam a construir mentalidade. Que profunda conclusão de um ex-jogador de futebol! Mas o jogador deve comunicar com os colegas, especialmente os mais jovens, para integração plena na equipa. Foi com alguma tristeza que referiu a falta de comunicação. Agora, os jogadores, de um modo geral, não comunicam. Colocam os head-phones, ligam o telemóvel e não falam com o colega do estágio ou que vai ao lado no autocarro. No seu tempo de jogador, referiu, falavam e jogavam às cartas no autocarro, mas agora já não o fazem. E se não comunicam fora do jogo, certamente que não comunicam dentro do campo, durante o jogo. “Precisam de comunicar!”, referiu, e por esta razão tentam organizar sessões no clube para resolver a situação. Depois de manifestar profundo respeito pela competência e seriedade pelo departamento médico, surgiu a pergunta inevitável: “ Alguma vez contrariou uma indicação médica?” A resposta foi imediata e franca: “Não!” Referiu, no entanto, um episódio em que a ação terapêutica não foi a decidida em primeira instância pelo médico. A decisão acabou por ser dele depois de devidamente informado dos riscos e das consequências (“well comunicated”). Avançou para ela, pois as dores eram muitas e a vontade de jogar era maior. Com o conhecimento do treinador Cruijff, que não se meteu na decisão, como era seu hábito, e assumindo total responsabilidade do ato, foi submetido a duas injeções de cortisona no tendão de Aquiles. Seis meses depois o tendão rompeu! “As lesões fazem parte do futebol e temos de contar com elas” e embora se saiba “da pressão para ganhar”, ele tenta “ser diferente, é que tudo está relacionado com a saúde do jogador”, mas algumas vezes “é preciso correr algum risco, que também depende do tipo de lesão”. Contudo, “a última decisão nunca será do treinador. O treinador não pode ter a última decisão”. O jovem jogador lesionado também o perturba e recordou um episódio do excelente jogador Ibrahimovic (que “aos 32 anos é bem-vindo ao Southampton”), o qual teve uma lesão aos 16 anos de idade. Lembra-se que na altura a discussão se centrava na decisão do tratamento