Revista de Medicina Desportiva Informa Julho 2018 | Page 4

Rev. Medicina Desportiva informa, 2018; 9(4):2 dos casos ocorrem durante ou ime- diatamente após o exercício, é cru- cial haver equipamento de emergên- cia médica nos recintos desportivos e formação de profissionais. Dr. Hélder Dores Cardiologista. Hospital das Forças Armadas e Hospital da Luz Lisboa Quem é o dr. Hélder Dores? Sou cardiologista e médico mili- tar do Exército no Hospital das Forças Armadas e Hospital da Luz, em Lisboa, onde coordeno a Cardiologia Desportiva. Parale- lamente, sou docente na NOVA Medical School e frequento o Doutoramento. Tem-se dedicado muito à cardiologia desportiva. De onde vem este gosto? Em primeiro lugar resulta da pai- xão pelo desporto em geral, como praticante e espectador, e diversas circunstâncias se conjugaram e tor- naram este interesse inevitável. Na medicina militar a cardiologia des- portiva é fundamental pela avalia- ção frequente de indivíduos sujeitos a exercício intenso. Percebendo que esta área poderia ser diferenciadora, estagiei num centro de referência em Londres sobre orientação do Pro- fessor Sanjay Sharma. Estes fatores permitiram que grande parte da atividade clínica atual seja a cardio- logia desportiva. Apesar do rigoroso exame médico- desportivo (EMD), com muitos exames do foro cardiológico, a morte súbita continua a ocorrer no desporto. Estamos a falhar? Não diria que estamos a falhar, mas ainda há muito por fazer. É utópico afirmar que o risco de morte súbita poderá ser nulo, porque diversas causas são paroxísticas, podendo esta ser a primeira manifestação. No entanto, a interpretação correta do ECG permite identificar a maio- ria das causas de morte súbita em atletas, diretamente ou após exames subsequentes. Pela incapacidade em identificar todos os indivíduos com risco acrescido, e como a maioria 2 julho 2018 www.revdesportiva.pt Certamente que o EMD no jovem é diferente do realizado ao praticante mais idoso... O principal objetivo do EMD é iden- tificar atletas com risco acrescido de morte súbita, cuja epidemiologia varia com a faixa etária, justificando uma avaliação diferente. No atleta jovem o ECG é essencial porque as principais causas de morte súbita são doenças hereditárias. Nos vete- ranos a principal causa é a doença coronária, enfatizando-se a estratifi- cação de risco e pesquisa de doença coronária ‘oculta’, usando scores de risco e exames adicionais, sendo a prova de esforço o mais usado . Como a estratificação de risco limitada a características clínicas e a prova de esforço apresentam limitações, têm sido desenvolvidos marcadores mais objetivos que poderão mudar o para- digma desta avaliação no futuro. E deve ser diferente o praticante de lazer e o atleta federado? Na minha opinião o nível do atleta não deve ser o principal fator diferenciador na metodologia de avaliação. Esta dicotomia é contro- versa – um atleta pode ser federado em golfe ou praticar recreativa- mente trails superiores a 100km! O aumento do número de praticantes de desporto recreativo é salutar, mas acarreta riscos acrescidos. Muitos iniciam exercício na meia idade, com fatores de risco ou até eventos cardiovasculares prévios. Pelo menos os praticantes de desporto organi- zado deveriam ser submetidos a algum tipo de avaliação. No entanto, não podemos esquecer que acres- centar muitas variáveis, sobretudo burocráticas, pode reduzir a adesão a um estilo de vida saudável. Outro problema é a diferença entre um EMD ou apenas preencher o respe- tivo formulário! Em suma, é preciso otimizar a avaliação dos atletas e discutir os prós e contras do seu alargamento ao desporto recreativo. Discute-se a inclusão do ecocardiograma na rotina do EMD. Quando deve ser realizado? Na minha opinião, o ecocardiograma não deve ser um exame de rotina, por motivos clínicos e económicos. É o exame de primeira linha na presença de sintomas e alterações “patológicas” no ECG, sendo também recomendado no exame de sobre- classificação e antes de algumas competições. Uma estratégia que pode ser discutida é realizar pelo menos um ecocardiograma nos escalões jovens para excluir car- diopatia congénita, mas os custos desta estratégia inviabilizariam uma aplicação generalizada. ... e quais são os outros exames mais recentes que poderão ajudar a definir a aptidão do candidato à prática de exercício físico? Entre os exames mais recentes, a ressonância magnética constitui o gold-standard para excluir patologia estrutural, fazendo mesmo sentido na presença de um ECG “patoló- gico” com ecocardiograma normal. Outro exame cada vez mais usado, sobretudo em veteranos com risco elevado, dor torácica ou alterações na prova de esforço, é a angio-TC cardíaca. Além do elevado valor preditivo negativo para excluir doença coronária, pode diagnosticar outras alterações associadas a morte súbita, como a origem coronária anómala e o bridging coronário. No futuro, a avaliação genética do atleta será certamente um elemento de rotina... Não sei se será rotineira, mas poderá ser aplicada a múltiplos contextos. Na avaliação das capacidades físicas, em parte determinadas geneticamente, estão disponíveis testes que definem o perfil individual e avaliam variáveis como a capacidade aeróbia, força ou predisposição para lesões. Desta forma, poderá ser possível identificar o tipo de exercício mais apropriado para cada indivíduo e até prever a capacidade de êxito. Clinicamente, a avaliação genética permitirá um diagnóstico mais precoce de doenças hereditárias, principalmente nos casos na ‘zona cinzenta’ com overlap entre alteração fisiológica e patológica.