Revista de Medicina Desportiva Informa Julho 2013 | Page 27

Rev . Medicina Desportiva informa , 2013 , 4 ( 4 ), pp . 25 – 30

Fórum

Canabinoides e o Desporto

Desporto e consumo de canabinoides ( canábis , haxixe , marijuana ): faz sentido o controlo de antidopagem ?
Um judoca americano foi expulso dos Jogos Olímpicos de 2012 depois ter um controlo de antidopagem positivo para a marijuana . A pena para esta inconformidade pode ir de uma advertência até dois anos de suspensão dependendo do caso e da modalidade . Em geral , na grande maioria das modalidades em Portugal , é aplicada uma pena que varia entre uma advertência e um mês de suspensão se o praticante desportivo se disponibilizar para realizar o Programa de Reabilitação . Esta pena é aplicada porque o controlo de antidopagem ocorreu durante a competição , mas se o mesmo tivesse ocorrido fora de competição o atleta já não seria punido . Mas , de acordo com Michael Joyner , membro da Physiological Society e investigador da celebérrima Clínica Mayo dos EUA , é “ difícil imaginar de que modo fumar marijuana irá ajudar alguém no judo ”. O Professor David Nutt , neuropsicofarmacólogo , do Imperial College London , refere que “ não há evidência que a cannabis seja uma droga aumentadora do rendimento no desporto e , dado que é legal em muitos países , não existe razão para ser excluída pela AMA ”, acrescentando ainda não conhecer nenhum desporto no qual ela poderia trazer vantagens . E remata : ” parece ridículo que alguém possa legalmente fumar cannabis em Amesterdão de manhã e depois vir para Londres à tarde e ser excluído da competição ”.
Se os canabinoides não aumentam o rendimento desportivo , a acreditar nas palavras do Prof . Nutt , a proibição do seu consumo pela AMA deve- -se a razões “ políticas ” e não a científicas ? É a ( boa ) imagem do atleta que se pretende transmitir aos mais jovens ? Se sim , não está a resultar , pois os atletas fumam marijuana e
continuam a atuar a alto nível , o que pode até causar uma falsa relação de ação ( consumo ) / efeito ( rendimento ). Ninguém esquece a imagem de 2009 do nadador norte-americano Michael Phelps a fumar marijuana num cachimbo . Naturalmente que o atleta posteriormente pediu desculpa pelo “ mau juízo ”, mas não foi sancionado pela AMA .
Poder-se-á considerar que o rendimento desportivo está aumentado , mas lê-se que o seu consumo poderá ter impacto negativo ao causar problemas de coordenação , reduzir a coordenação mão-olho e interferir com a perceção visual . Pretende-se , assim , proteger o atleta , mas não correm mais riscos ( de demênia e de esclerose lateral amiotrófica ) os boxeurs ou os ciclistas que descem a Serra da Estrela a 80 – 90 km / h ? A perspetiva da saúde pública poderá ser também o motivo da sua proibição . O aumento da pressão arterial da frequência cardíaca associados com o consumo será o argumento principal para a decisão ?
Não é pretensão desta Revista defender o consumo deste tipo de drogas , quer em contexto social , quer no desportivo , que não defende e reprova , mas apenas proporcionar um debate sobre uma droga que em Portugal foi responsável por 41 % dos resultados positivos nos controlos de antidopagem em 2010 e 46 % em 2011 , o que significa que está a aumentar . É momento de tomar atitudes dos três “ V ”: Variadas , Vigorosas e Válidas . Basil Ribeiro , diretor .
Prof . Doutor Paulo Correia de Sá ( PS ) Prof . Catedrático de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar , Univ . do Porto
Prof . Doutor Sidónio Serpa ( SS ) Prof . Catedrático de Psicologia do Desporto da Univ . Técnica de Lisboa , Faculdade de Motricidade Humana
Prof . Doutor Luís Horta ( LH )
Presidente da Autoridade de Antidopagem de Portugal ( ADoP ) – Lisboa
1 . O que são canabinoides ?
PS – Os canabinoides naturais são extraídos de vários componentes da planta Cannabis sativa . Ambos os géneros da planta produzem uma resina , o haxixe , que foi popularizada no Sudoeste Asiático como droga psicoativa , podendo ser fumada ou ingerida . Na América do Sul os índios fumavam as folhas secas da planta , marijuana , para atingir estados de euforia . Existem mais de 400 substâncias químicas na Cannabis sativa . Sessenta dessas substâncias tem atividade biológica , sendo as mais ativas o tetrahidrocanabinol ( THC ), canabinol e canabidiol . A proporção de THC relativamente ao volume total das restantes substâncias é muito variável e depende consoante se trata de marijuana ( 1 – 10 %), haxixe ( 10 – 20 %) ou óleo de haxixe ( 15 – 50 %). O melhoramento conseguido na plantação de Cannabis sativa proporcionou um aumento médio da quantidade de THC nos cigarros de marijuana (“ charro ”) de 10 mg ( nos anos sessenta ) para 20 – 200 mg nos anos noventa . A diversidade na oferta de canabinoides existentes no “ mercado negro ” ( folhas secas , caules , sementes e plantas prensadas ) confere enorme imprevisibilidade no cálculo da concentração destas substâncias no produto consumido , sobretudo por indivíduos menos experientes . A título de exemplo , a quantidade de THC num cigarro de haxixe pode variar entre 1 a 30 mg . Uma vez que os efeitos psicoativos se verificam com doses de THC superiores a 2 mg , estes podem ser sentidos após o consumo de um único cigarro .
O THC possui efeitos psicodislépticos fortes . Possui propriedades anticonvulsivantes , analgésicas e antieméticas , bem como ações sobre os sistemas cardiovascular , respiratório e imunitário , a temperatura corporal e o apetite . Os efeitos de uma única dose de THC podem perdurar durante 48 horas devido
Revista de Medicina Desportiva informa Julho 2013 · 25