Tema 5
Rev . Medicina Desportiva informa , 2013 , 4 ( 4 ), pp . 21 – 24
Lesões escrotais no desporto
Dr . Gustavo Gomes 1 , Prof . Dr . Arnaldo Figueiredo 2
1
Interno complementar do Serviço de Urologia e Transplantação Renal do CHUC ; 2 Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de Urologia e Transplantação Renal do CHUC . Coimbra .
RESUMO / ABSTRACT
A literatura acerca das lesões dos órgãos genitais externos masculinos no desporto é escassa . Contudo , estas são frequentes e por vezes levam a sequelas graves , algumas irreversíveis . Estas lesões devem ser prontamente reconhecidas e tratadas , com o intuito de evitar consequências permanentes . As sequelas podem incluir o compromisso da fertilidade do atleta , a sua função hormonal e a afetação do foro psicológico , mais não seja por lesões permanentes no aspeto dos órgãos . Neste trabalho falaremos sobre lesões escrotais no desporto , que englobam lesões dos elementos da bolsa escrotal ( cordão espermático , epidídimo e testículo ) e do escroto propriamente dito .
The report of sport related male genitalia injuries is scarce . However , these are common and often lead to serious injury , sometimes permanent . These lesions must be recognized and treated promptly , in order to avoid definitive sequelae . The consequences may include the athlete ’ s infertility , hormonal disorders and psychological distress related with altered body image . In this paper we will discuss scrotal injuries in sports , including lesions of spermatic cord , epididymis , testis and the scrotum itself .
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Lesão do escroto , torção cordão espermático , rutura testicular . Scrotum injury , spermatic cord torsion , testis rupture
Introdução
O traumatismo dos órgãos do aparelho urogenital representa 10 % do global dos casos de traumatismos e 13 % deles estão associados ao desporto 1 . O trauma escrotal apresenta uma incidência inferior a 1 % dentro dos casos de traumatismo nos EUA 2 .
O traumatismo da gónada masculina , apesar de raramente representar risco de vida , requer tratamento rápido e apropriado para evitar sequelas a nível da fertilidade , da esfera sexual por distúrbios hormonais ou funcionais , e também ao nível psicológico , mais não seja por lesões que possam alterar a imagem do corpo de forma permanente . As lesões nos elementos da bolsa escrotal podem levar à infertilidade , à dor crónica , ao hipogonadismo e à alteração da imagem do próprio “ eu ” 3 .
O testículo tem duas funções principais : produção de testosterona através das células de Leydig e a produção de espermatozoides pelas células da linhagem germinativa , estas mais vulneráveis às alterações permanentes secundárias à lesões isquémicas . Ambas estas funções são reguladas pelo sistema hipotálamo-hipofisário .
Os elementos da bolsa escrotal , pela sua localização e caraterísticas , são particularmente vulneráveis a lesões traumáticas . Ao mesmo tempo , a sua mobilidade e o próprio reflexo cremastérico 2 servem como mecanismo de defesa à ocorrência de lesões de maior gravidade 4 , 5 . O testículo direito está mais elevado em relação ao esquerdo em cerca de 60 – 70 % dos casos , tornando-o mais propenso a lesões por compressão contra a sínfise púbica 6 . Até 85 % das lesões testiculares resultam de traumatismos escrotais fechados , ocorrendo a maioria destes durante atividade desportiva .
O traumatismo fechado do escroto pode levar a amplo espectro de lesões . Pode haver lesões com menor gravidade , como microtraumatismos subclínicos ou equimose do escroto , com pouca importância se de curta duração e não repetidos . As lesões de maior gravidade incluem : hematomas , lesões do testículo , epidídimo , cordão espermático , hematocelos , hematoma intra-testicular , ruptura do testículo ou torção aguda do cordão espermático . Estas duas últimas entidades serão abordadas de forma particular mais à frente .
O exame objetivo de um escroto agudo poderá ser de difícil realização pela reação inflamatória e dor , por vezes exuberantes . Nestes casos , a ecografia escrotal com eco-doppler é o exame mais sensível e mais específico para auxiliar um diagnóstico . A eventual presença de lesões concomitantes no pénis e uretra deve ser sempre avaliada .
Torção aguda do cordão espermático
Apesar de poder ocorrer em qualquer idade , tem o seu pico de ocorrência na adolescência , entre os 12 – 18 anos . As lesões no desporto representam 4 – 8,5 % dos casos de torção aguda do cordão espermático ( TT ) 7 , 8 .
A TT é um processo patológico , no qual há interrupção da vascularização do testículo , secundário à rotação do eixo funículo-espermático e consequente obstrução da artéria testicular ( e estruturas associadas ). É uma emergência urológica que pode levar à perda do testículo se não houver uma intervenção atempada 8 . Inicialmente ocorrerá edema resultante da obstrução do fluxo venoso com manutenção do arterial , seguido da obstrução completa do fluxo sanguíneo testicular 9 . A isquémia testicular daí resultante deve ser revertida com a maior brevidade possível , sob pena de perda do órgão . Em lesões com duração superior a 6 horas a viabilidade do testículo estará seriamente ameaçada 7 , 9 por isso , “ tempo é testículo ”. Tanto mais grave será a TT quanto maior for o número de voltas da torção e o consequente grau de compressão arterial ( figura 2 ).
Existem dois tipos de torção : extravaginal , caraterística nos recém-nascidos , e intravaginal , associada à malformação em ” badalo de sino ”. Neste último há uma deficiência na fixação posterior dos elementos da bolsa escrotal à túnica vaginal , levando a que seja facilitada a rotação do testículo ao longo do seu maior eixo . Esta entidade está presente em cerca de 90 % dos casos de torção do cordão espermático na
Revista de Medicina Desportiva informa Julho 2013 · 21