Revista de Medicina Desportiva Informa Janeiro 2020 | Page 22
visualizando-se o “cão escocês”
(Figura 2) no qual a coleira do cão é a
lise da pars. 2,5,9 O defeito é raramente
visto na radiografia nas incidências
ântero-posterior (AP) ou lateral.
A cintigrafia óssea pode auxiliar
no diagnóstico precoce da lesão,
marcando as lesões metabolica-
mente ativas, ou seja, as espondiló-
lises sintomáticas, mas não permite
visualizar o defeito da pars interarticu-
laris e não diferencia a espondilólise
de outras lesões metabolicamente
ativas, como o osteoma osteoide, as
lesões quísticas e a osteomielite. 2
A tomografia computorizada (TC)
permite identificar e caracterizar o
defeito ósseo da pars interarticularis
(Figura 3), no entanto requer altas
doses de radiação e não distingue
lesão aguda de crónica. 2,12
A ressonância magnética é útil
no diagnóstico desta patologia, uma
vez que, para além de não usar
radiação, permite diferenciar a lesão
aguda da crónica, caracterizar os
tecidos moles circundantes, avaliar
a existência ou não de compressão
radicular, hérnias discais, discites
ou lesões tumorais de tecidos moles.
Em caso de lesão incompleta da pars
interarticularis a RMN pode não ter a
sensibilidade suficiente para detetar
lesões parciais (Figura 4). 5,12
Tratamento
O tratamento da espondilólise é
dividido em duas fases: o tratamento
médico e o tratamento cirúrgico. O
Processo articular
superior (orelha)
Processo transverso
(focinho)
Pedículo (olho)
tratamento médico é sempre o inicial
e inclui alívio sintomático com medi-
cação e repouso. A fisioterapia tam-
bém faz parte desta etapa através do
fortalecimento muscular e o alon-
gamento dos tendões isquiotibiais.
O recurso a ortótese tóraco-lombo-
-sagrada a 0º de extensão durante
23h/dia, 3 a 6 meses, está indicado
para os casos mais dolorosos e que
não aliviam com a medicação e com
a restrição de atividade física. O bene-
fício do uso deste tipo de ortótese não
é consensual, mas alguns autores
defendem que poderá diminuir a
lordose lombar e promover o melhor
alinhamento da pars interarticularis no
plano sagital, diminuindo a ação das
forças de cisalhamento e facilitando
a consolidação óssea. 11
Após um período de 4 a 6 semanas
é feita reavaliação e se não houver
dor na hiperextensão da região lom-
bar o adolescente pode retomar de
forma gradual a atividade física. Pas-
sados quatro meses de tratamento
médico alguns autores defendem
que devem ser realizados RMN e/ou
TAC de controlo para avaliar o grau
de consolidação óssea. Se o adoles-
cente se mantiver assintomático,
mesmo na ausência de consolidação,
pode retornar a atividade física.
De acordo com a literatura, o tra-
tamento conservador tem uma taxa
de sucesso de resolução da clínica
superior a 86%, sendo mais elevada
quanto mais precoce for o diagnóstico
e o início do tratamento médico. 11
Após um período nunca inferior a
9-12 meses de tratamento médico, o
tratamento cirúrgico está indicado
para os casos sem melhoria clínica
ou que se mantêm sintomáticos
durante a realização de atividades
desportivas ou mesmo nas ativida-
des de vida diária.
As técnicas cirúrgicas consistem
na reparação direta do defeito da
pars interarticularis com enxerto
ósseo e fixação. Diversas técnicas
de fixação estão descritas: parafuso
na pars interarticularis (técnica
de Buck12), fio de aço em banda
de tensão a envolver os processos
transversos e espinhoso (técnica de
Scott12), parafusos pediculares e
barra em forma de V ou U sub-espi-
nhosa (técnica de Gillet) e artrodese.
A reparação direta é o tratamento
preferido para os níveis entre L1 e
L4, uma vez que a artrodese pode
diminuir a amplitude de movimento
e as doenças do segmento adjacente
(degenerescência discal, hérnia dis-
cal, listesis, instabilidade, artrose e
estenose) podem ocorrer entre 5,2 e
18,5% dos casos. Nas espondilólises
L5-S1 a artrodese póstero-lateral é o
recomendado. 13
Após a cirurgia a coluna é estabili-
zada com uma ortótese lombosagrada
durante seis semanas, permitindo a
deambulação precoce, com contrain-
dicação para atividade desportiva
durante três meses. Após os três meses
de pós-operatório a atividade despor-
tiva é retomada de forma gradual. 14
Independentemente do trata-
mento, conservador ou cirúrgico,
mais de 90% dos adolescentes reto-
mam a atividade desportiva, inclu-
sive desporto de alta competição. 14
Considerações finais
A dor lombar no atleta adolescente
é um problema frequente. Quando
a etiologia é a espondilólise, sem
listese, sobretudo nas crianças e
adolescentes que praticam desportos
que impliquem hiperextensão repe-
tida da coluna lombar, existem várias
opções de tratamento. O gold standard
Defeito da pars interar-
ticularis (coleira)
Processo articular
inferior (pata)
Figura 2 – Representação esquemática
do cão escocês observado na radiografia
oblíqua de uma coluna com espondi-
lólise (imagem modificada de Smith AJ,
Hu SS. Management of spondylolysis
and spondylolisthesis in the pediatric
and adolescent population. Orthrop Clin
North Am 1999;30:487) 9
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Figura 3 – Imagens de TAC: A) corte axial e B) corte sagital mostrando o defeito da pars
interarticularis de L5