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o centro da cidade,
a Oficina Cultural
Oswald de Andrade
foi palco dos en-
saios do espetáculo
Vale a Pena Ver de Drag, que
iniciou suas apresentações em
março e não tem data certa para
acabar. As reuniões aconteciam
todas terças e sábados em uma
salinha bem pequena, cheia de
cadeiras empilhadas e um quadro
negro: aparentemente o local era
usado como sala de aula nos de-
mais dias da semana. Nesse as-
pecto, a estrutura beneficiou as
artistas, porque fornecia uma
mesa grande de professor, loca-
lizada bem no canto, onde todos
os vestidos, perucas coloridas e
acessórios eram colocados. No en-
tanto, o espaço que restava não
era muito, sendo também atrapa-
lhado pelas grandes janelas, que
tinham suas portas de madeira
abertas para o lado de dentro,
dificultando ainda mais a locomo-
ção no cômodo.
O ensaio antes da primeira
apresentação foi uma correria:
“Você trouxe seu sapato né?”,
perguntou uma delas, mas a res-
posta não foi a esperada: “Não,
minha cachorra comeu, de verda-
de agora!”. Ali estava Maldita
Hammer, tentando se justificar
pelo atentado que tinha sofrido
do seu bichinho de estimação. A
drag entrou no mundo do teatro
muito nova, com 13 anos assistiu
um espetáculo de Teatro de Re-
vista e se identificou de corpo
e alma. Na época, ela ainda mo-
rava em Goiânia, então só quando
mudou para São Paulo e buscou
se estabilizar financeiramente,
conseguiu idealizar seu projeto
do teatro. Sua personagem no es-
petáculo é uma mulher ranzinza,
que não gosta da humanidade e
amaldiçoa aqueles que puder.
A primeira pessoa que Mal-
dita conheceu foi Geni. Na ver-
dade, Maldita Geni, mas no grupo
todas se referem a ela somente
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por Geni. Como chegou um pouco
atrasada no ensaio, estava sen-
tada em uma das cadeiras revi-
sando suas falas, quase isolada
do que acontecia no resto do cô-
modo. Enquanto isso, seu amigo
arrumava e ajeitava sua peruca
vermelha e volumosa. Sua per-
sonagem no espetáculo coloca em
prova toda a hipocrisia da so-
ciedade, trazendo muito a ques-
tão da sensualidade.
Na frente de Geni, desfilava
de um lado para o outro Leon-
na, uma das últimas a integrar
o grupo. A drag usava um vesti-
do longo, com uma tonalidade de
rosa quase vibrante e tinha em
sua cabeça uma peruca de cabelos
longos e escuros, que contras-
tava com sua barba grande. Ao
andar para lá e para cá ao redor
da sala, tentava se acostumar
com o salto que usava e sempre
dava uma espiadinha no vidro da
janela, só checando sua aparên-
cia. No teatro, sua personagem
é uma mulher barbada que sofre
de distúrbios de personalidade,
querendo ser várias pessoas no
corpo de uma só.
Enquanto isso, no extremo
oposto do cômodo, estava Geor-
gyna Pysko, que ao contrário de
Leonna, parecia não querer ser
notada. A drag estava colocando
suas roupas, que se resumiam a
um conjuntinho verde escuro de
saia e blazer. Parecia uma roupa
simples e não chamativa, mas a
peruca quebrou essa visão: era
de uma tonalidade alaranjada e
formava quase um tipo de topete
na cabeça da mulher. Gerogyna é
uma mulher cis, que no espetá-
culo interpreta uma personagem
esnobe que já trabalhou para o
governo em outros países.
Já a namorada de Georgyna,
Lyra Delírio estava sentada no
chão, bem no centro da sala e
ensaiava uma música, com seu
violão na mão, para o dia da
apresentação. A drag de Lyra é
VOCÊ SABIA?
Para ler essa matéria você
precisa ter uma noção básica
das diferenças de cada termo
mencionado. Mas não se pren-
dam, existem muitas outras de-
finições e orientações sexuais.
Georgyna Pysko
Cisgênero: Pessoas cujo gênero
concorda com com a designação
biológica.
Transgênero:Pessoas cujo gêne-
ro não concorda com a desig-
nação biológica.
Heterossexual:Pessoas que sentem atração sexual por
pessoas do gênero oposto.
Homossexual:Pessoas que sentem atração sexual por
pessoas do mesmo gênero.
Bissexual:Pessoas que sentem atração sexual por pessoas
do gênero masculino e feminino.
Pansexual:Pessoas que sentem atração sexual por outras
pessoas, sem distinção de gênero.