Maria Firmino faz o que nenhum outro estava disposto a fazer no romance brasileiro daquela
época, levanta pautas importantes da escravidão do país e que até hoje rendem debates acalorados,
e faz isso numa sociedade muito mais restrita que a dos dias de hoje, uma sociedade que ainda se
apoiava nos romances doces em que os escravos eram invisíveis e silenciados. A obra de Maria
Firmino mostra que sua visão, sem dúvida, estava muito a frente de seu tempo, trazendo desde sua
época diálogos que, somente agora, somente depois de muito tempo, passaram à ser pautas
fundamentais de discussão.
A narrativa se desenvolve em torno do romance da jovem Úrsula – desafortunada, desprovida
de recursos de subsistência e socialmente inferiorizada - com o rico e próspero Tancredo. A princípio,
tratando-se apenas de um romance impossível, Úrsula se destaca por abordar um tema muitos mais
profundo para a época e - por que não? - para os dias atuais: a estrutura escravocrata brasileira.
Nesse âmbito, o romance travestido de história de amor, lança subjetividades que tocam em questões
delicadas à época. Para tal, a presença de Susana, Antero e Túlio, três personagens negros que
atuam, fundamentalmente - pela primeira vez - na construção da identidade do romance e, através
dele, da identidade do próprio Brasil do século XIX.
A presença dessas personagens, que ganham destaque assim como Tancredo, existe como
forma de afirmar que a identidade brasileira vai muito além do herói branco. Por se tratar de uma
trama aparentemente etnocêntrica, a autora instaura a ponta de um iceberg que pode e deve ser
explorado pelo leitor, tornando Úrsula um romance que beira o atemporal, - até mesmo a perfeição -
com uma estrutura que permite que, até os dias de hoje, questionemos o caráter indenitário de nosso
país e que consigamos desconstruir, pouco a pouco, o eurocentrismo presente na construção da
estrutura brasileira.
Lucas Correa e Laueli MArtins
Edição 1 - 2019 - Úrsula e outras obras