Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 73

72 | RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 Consumir o medo como produto na cobertura policial exige fazer uma distribuição desse medo de maneira heterogênea no tecido social da cidade. A partir de certa representação da desordem urbana e da sensação de segurança criada pelas lentes da mídia, que fomenta a opinião pública, cada região ou bairro é classificado segundo determinados medos. Ainda que o risco projetado para certos lugares também seja válido para outros – e até isentos de alguns. São projeções de espacializações do medo que guardam a memória de violência. No entanto, uma mesma população e organização de sociedade pode ter diferentes memórias, o que pode nos levar a construção de vários "Rios do medo"25, mas também a formas criativas de estratégias de sobrevivência, luta e resistência. A cidade do Rio de janeiro está em uma disputa simbólica, mas também prática, a partir de ações de grupos que não recuam na defesa dos direitos humanos. Além disso, esses coletivos são capazes de fomentar uma gestão de cidade em que novas espacializações garantem uma memória de um Rio sem medo. 3.6.1. MOBILIZAÇÃO PELO DIREITO À CIDADE No final de setembro de 2015, veículos de comunicação de massa divulgaram imagens de furtos ocorridos nas areias da Zona Sul carioca, em final de semana de sol e praia lotada. A exemplo do que ocorreu na década de 1990, teve início uma ampla campanha de criminalização da juventude pobre da Zona Norte, com a disseminação de um sentimento de medo na elite econômica que rapidamente exigiu das políticas de segurança pública uma resposta. Neste contexto, as forças policiais adotaram um procedimento padrão aos finais de semana e feriados: parar linhas de ônibus que ligam a Zona Norte à orla da Zona Sul e levar os jovens, negros e pobres para a delegacia, com vistas à verificação de antecedentes criminais ou infracionais. Esta conduta evidencia uma política de segurança racista e discriminatória que, através do procedimento ilegal de prisão para averiguação, busca cercear cidadãos ao direito constitucional de ir e vir, além do direito ao lazer e ao uso do espaço público. Diante das inúmeras reportagens sobre as operações, bem como das declarações do secretário de Segurança Pública e do governador do Estado em que afirmavam, através de metáforas, que tais ações seriam mantidas e fortalecidas, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica), impetrou um habeas corpus preventivo que buscava a decretação do óbvio: a determinação de todos os jovens serem tratados como inocentes até que se prove o contrário. 25. MATHEUS, Letícia Catarela. Narrativas do Medo: o jornalismo de sensações além do sensacionalismo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011. Quando a Vara da Infância e da Juventude do Rio concedeu liminar acatando o pedido da Defensoria, houve uma reação do governador e do secretário de Segurança Pública que, revoltados, atacaram tanto o Poder Judiciário, quanto a Defensoria Pública, na figura da defensora pública Eufrásia Maria das Virgens, coordenadora do