RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 | 71
sistemas políticos de urbanização e policiamento como estratégias para“ neutralizar e disciplinar” a população pobre. O fim da escravidão e a implantação da república, fenômenos ocasionados quase concomitantes, iniciaram essa construção do medo, uma vez que não romperam com a ideia elitista de ordenamento no país, formando uma cultura socioeconômica e política, como ressalta Vera Malaguti 22.
Malaguti argumenta que o medo branco da rebelião negra, da descida dos morros, aumenta com o fim da escravidão e da monarquia, que produz uma república excludente, intolerante e truculenta a partir de um projeto político autoritário. Uma cultura do medo criada por ser necessária para implantação de legislação e a execução de políticas públicas no espaço urbano, seja em infraestrutura ou na gestão de segurança na cidade, que privilegia a elite e a classe média, subjugando a massa pobre. Principalmente, no Rio de Janeiro – que sendo a capital simbólica do país – vitrine da massa negra, escrava, liberta que se transformou num gigantesco Zumbi a assombrar a civilização, criando estratégias de sobrevivências próprias na ausência de políticas públicas sociais, dos quilombos ao arrastão nas praias cariocas, ressalta Malaguti.
Um medo forjado na síndrome do liberalismo oligárquico brasileiro, que funda a nossa República carregando dentro de si o princípio da desigualdade legítima que herdara da escravidão, que segue produzindo seletividade. Não é à toa que juventude pobre e negra é o perfil predominante das pessoas presas ou em medidas socioeducativas devido a atos ilícitos relacionados à desordem. A seletividade do sistema penal( polícia, judiciário) do Estado permite que a população pobre seja alvo do controle repressivo do Estado.
As estratégias de criminalização da pobreza não estão somente em manter essa população à margem do Estado. Os bairros empobrecidos se configuram como o espaço aonde o alvo deve ser atingido no enfrentamento ao medo protagonizado pelo Estado em busca de‘ soluções’ para dissipar a sensação de insegurança. O medo molda cotidiano das grandes cidades, desde seus contornos arquitetônicos até o comportamento de seus habitantes. Trata-se de uma categoria de construção discursiva do social que se expressa como fio condutor de subjetividades. O medo é utilizado como ferramenta política de controle social, coerção e extermínio da população pobre por governos que, nos dias atuais, também utilizam os meios de comunicação comercial como braço estratégico para a aplicação dessa política.
O sociólogo Barry Glassner 23 denomina como“ cultura do medo” todas as situações fabricadas por alarmistas, tendo como seus protagonistas: a mídia 24, o mercado, a religião e a política. Dentre os medos“ válidos”, aqueles que são necessários ao ser humano porque alertam sobre o perigo; e os disseminados por essa cultura: os medos“ falsos ou exagerados”, Glassner classifica a mídia como um " arauto do medo ". Isto porque fomenta a cultura do medo ao destacar crimes, enfatizar a violência, adulterar números, dados estatísticos, manipular a informação, dominar o noticiário, e principalmente, aproveitar-se dos amedrontados para comercializar o pânico como produto.
22. Malaguti, Vera. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
23. GLASSNER, Barry. The Culture of Fear. New York: Perseus Books Group Francis, 2003.
24.“ Exceções há”, diz Glassner( 2001), porém, a mídia está no centro do culto da cultura do medo.