Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 66
RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 | 65
mesma visibilidade, também descortinou resistências e práticas intolerantes. De
acordo com o Ministério Público Federal, durante o período de dez anos, foram
identificados 93 autos extrajudiciais que versam sobre a não aplicação da lei em
vários estados do país.
Em 2010, a Relatoria do Direito Humano à Educação, ligada a Unesco, apurou
denúncias de intolerância às religiões de matriz africana no ambiente escolar.
Foram registrados casos de bullying, manifestações preconceituosas e impedimento de usar símbolos. Segundo o relatório da Unesco, a lei evidenciou a confusão entre o limite de uma prática religiosa e cultural. Desvelou também a máscara de outra questão: o racismo presente na sociedade brasileira direcionado à
população negra.
CASOS NÃO SÃO ISOLADOS
A intolerância religiosa também ocorre com praticantes de outras religiões como o
islamismo. É o que mostra o pré-relatório sobre intolerância religiosa no Brasil elaborado pelo Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (CEPLIR)19,
ligado à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos20. O documento foi apresentado durante a audiência pública realizada e organizada pela CDDHC
Alerj, em 18 de agosto de 2015.
O estudo foi elaborado a partir de dez documentos produzidos entre 2004 e junho de
2015. Também foram selecionados casos obtidos em registros administrativos, narrativas, depoimentos, entrevistas, notícias e mídias impressa e virtual em todo âmbito
do território nacional. Como o caso do Clube AABB Lagoa, no Rio de Janeiro. O clube
foi o escolhido pela comunidade judaica para realização do evento Macabíadas (jogos
olímpicos que reúnem clubes e colégios judaicos de todo o país). Em uma das dependências do clube onde havia um aparelho de televisão, um sócio descontente com a
locação para a comunidade judaica, travou uma agressiva discussão com um grupo
de crianças de São Paulo. Na discussão, ele proferiu ofensas de cunho antissemita
contra as crianças, chamando elas diversas vezes de "judeus filhos da puta" e dizendo
"eu sou muçulmano e odeio vocês!" e "vocês têm que morrer!".
Uma semana após o assassinato do cartunista francês do periódico Charlie Hebdo,
a professora de teatro Sarah Ghuraba, muçulmana de 27 anos, caminhava para a
consulta médica quando levou uma pedrada na perna. Junto ao ataque físico veio o
verbal: "muçulmana maldita!", disse o desconhecido, que a atacou somente por ser
muçulmana e, logo em seguida, fugiu correndo. Ao relatar o caso no Facebook, para
alertar outras muçulmanas para que tivessem cuidado, ela recebeu algumas mensagens solidárias, mas diversas outras ofensivas: "falaram que eu deveria ter levado
um tijolo na cabeça e outros prometeram terminar o trabalho. É assustador. Será que
uma muçulmana brasileira precisa morrer para entenderem que existe islamofobia no
Brasil?", questionou.
19. A Ceplir recebeu em
dois anos e meio quase
mil denúncias de casos de
intolerância religiosa. Os
dados foram apresentados na
audiência pública realizada no
Rio de Janeiro pela Comissão
de Defesa dos Direitos
Humanos e Cidadania da Alerj,
com a participação de 150
pessoas, em 18 de agosto de
2015. O encontro foi organizado
conjuntamente com o Centro
de Articulação de População
Marginalizadas e reuniu
representantes de diversas
religiões.
20. Disponível em .