Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 65

64 | RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015
3.5. INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Não sou eu que vivo no passado / é o passado que vive em mim.( Paulinho da Viola)
16. Diante da resistência das escolas em aplicar a Lei 10.639, o Ministério Público Federal instituiu um grupo de trabalho em Educação. Com o auxílio do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais( Inep), a estratégia é incluir questões sobre história da África e dos povos indígenas no Exame Nacional do Ensino Médio( Enem). Dessa forma, induzir as escolas a abordar o tema em seus currículos de forma voluntária ou sendo pressionadas pelos próprios alunos a fazê-lo. No último Enem, aplicado em outubro, seis questões versaram sobre o tema. O objetivo é ter cinco a oito questões relativas ao tema no Exame.
17. SANTOS, Milton. A era da inteligência baseada na máquina. In: TRINDADE, A. L.; SANTOS, Rafael dos( orgs.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP & A, 1999.
18. Bem como o empoderamento e fortalecimento da cultura negra que pela campanha higienista pós período da abolição da escravidão, promoveu o apagamento das raízes africanas na formação da história do Brasil e do povo brasileiro a partir de um conteúdo de ensino eurocentrista.
O Rio de Janeiro assistiu, em 2015, uma das cenas mais lamentáveis de intolerância religiosa: uma menina de 11 anos foi alvo de uma pedrada na cabeça em um ponto de ônibus por estar com vestuário característico do candomblé. Em pleno século XXI, a menina Kayllane Campos teve como algozes e inquisidores dois homens que estavam na Vila da Penha, bairro popular da Zona Norte do Rio. Ao atirarem as pedras, os agressores insultavam o grupo de religiosos que estava com Kayllane. A mãe de santo Káthia Marinho, avó da menina, registrou o caso como lesão corporal e no artigo 20, da Lei 7716( praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional) na 38 º Delegacia de Polícia, em Irajá.
O caso de Kayllane não é isolado. Em 21 de janeiro de 2000, a Ialorixá Gildásia dos Santos( Mãe Gilda), faleceu de infarto fulminante ao ver sua foto estampada na capa do Jornal Folha Universal, com o título:“ Macumbeiros Charlatões lesam o bolso e a vida de clientes”. Em maio de 2012, em Goiás, Rafael de Araújo Teixeira, de 19 anos, que se dizia da " Igreja de Cristo ", tentou quebrar a marretadas a imagem de uma santa católica que havia sido colocada pela prefeitura da cidade de Águas Lindas de Goiás na Avenida JK, na entrada do Jardim Brasília.
No ano de 2012, em Manaus, representantes da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas precisaram se reunir com a direção de uma escola estadual devido a negativa de alunos evangélicos a fazer um trabalho escolar sobre a cultura africana. Os alunos se recusaram a fazer o trabalho com a justificativa de que a tarefa fazia apologia ao satanismo e ao homossexualismo, ideias que supostamente contrariam a crença deles. Por Lei 10.639 / 03, o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos currículos do ensino fundamental e médio é obrigatório. Mas, 10 anos após a adoção da lei, seja por preconceito racial e religioso, seja pela falta de formação docente, muitas escolas ainda resistem a implementá-la em sala de aula 16.
A escola é um espaço de socialização e de instrução, aquisição de“ conhecimentos”. A escola é a reprodutora de valores hegemônicos na sociedade. Tem a função de“ treinar os diversos papéis sociais, cristalizá-los, e não refletir sobre a ideia de que eles são uma construção histórica, e como tal, passíveis de mudança”( Santos, 1999) 17, formando os futuros quadros gestores da economia, da política, da cultura, da justiça, etc.
É fato que a Lei 10.639 / 03 abriu caminhos para que a temática africana ganhasse visibilidade dentro do ambiente escolar, ampliasse a quantidade e a qualidade desses temas nos materiais didáticos, além de ter fomentado a oferta de linhas de pesquisas, especializações e cursos voltados para a história africana 18. Mas, essa